quarta-feira, 31 de outubro de 2012

31.10.1902 - DRUMMOND




A UM AUSENTE
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste


AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade


31.10.1902 - 31.10.2012 
dia do meu primeiro Carlos.   

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A poesia do dia




TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Dois e Dois são Quatro

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.
Ferreira Gullar

domingo, 28 de outubro de 2012

A Coragem dos Homens

Lisboa, Bairro Alto - Outubro de 2012


A coragem dos homens,
curiosamente,
sabe ser grandiosa
e dona de si para guerras e feitos para além de qualquer compreensão.
Mas amiúde, baixinho
no dia-a-dia, apavorada ela se esconde atrás de mentiras
e finge não ver,
não saber,
o tamanho desmesurado, exagerado,
da sua covardia
com a vida.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Escolha




Não sei de que é feito o mundo dos homens, mas
sei que o meu é feito de sons, de luz e de calor. É feito
muito dos outros e um pouco de mim.
E não por ser oca, ou pouca, preciso do outro -
preciso porque o precisar é que faz com que tudo que eu faço faça sentido
para mim.
Não me basto e nem sei se entendo 
este tal bastar-se que soa egoísta aos meus ouvidos.
Não entendo braços sem outro par,
nem língua sem sentir o gosto de uma boca que não seja a minha.
E para que serviriam todas as palavras por mim até hoje ditas
se não houvesse o outro a ouvir? Não sei.
Então, entre parva e louca, escolhi, deliberadamente, precisar do outro
e querer o que está para além de  mim.
Escolhi sentir.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Amores Perros




De Perros Amores
Control Machete


Suficientes son los problemas de un solo día
como para preocuparse por el futuro
¿Cuál?
Olvidamos que para poder llegar al otro lado
al otro lado hay que empezar derribando el primero de los muros
Nos pasamos la vida viendo triunfos y fracasos
conseguidos en tiempo pretérito
¿Cuántas veces se ha detenido el sol a mediodía?
¿Cuántas?
Porque ya no quiere vivir más atardeceres
¿Cuántas?
¿cuántas veces?
Porque ya no quiere vivir más amaneceres
el negro deja de ser negro sin el blanco
el bueno deja de ser bueno sin el malo
Continua repetitiva que constantemente termina
vuelve a empezar de nuevo da fruto a la semilla
¿Por qué envejeces?, porque tu piel se va arrugando
el paso del tiempo una broma te está jugando
Sabes que la codicia puede dejarte en la ruina
quieres solucionarlo?
Borrarlo de tu vida
de perros amores
Borrarlo de tu vida
de perros amores
Borrarlo de tu vida
si alguna vez
si alguna vez
si alguna vez
si alguna vez
amanece el alma
atardece en ti
acción es en real voluntad
sensación la velocidad
Fe e ilusión orgánica
coincidencia armónica
No existe ningún borrador mágico
para borrar todos los errores cometidos
que pasaría si las flores solo se marchitaran?
o solo se quedaran como botones.
duele la realidad duele
La fantasía solo se queda en los sueños
que pasaría si nunca muero?
y no tuviera la oportunidad de nacer de nuevo.
amanece el alma
vuelve otra vez, aparece
atardece en ti
desapareces te vas y vuelves

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

De volta à Realidade




A saber, que não há santos neste mundo, muito menos no âmbito político brasileiro, e estando acostumada à falta de vergonha na cara, disfarçada ou escrachada, dos políticos que no Brasil fazem carreira, nada deveria espantar-me a esta altura quando a maioria de nós vê com maior ou menor ceticismo o correr e ocorrer das coisas da vida. Entretanto, e muito contundentemente, anda a irritar-me deveras o fato de ver, e ouvir, o nosso ex-presidente, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, a gritar aos quatro ventos que os opositores ao PT precisam “criar vergonha na cara”. E não há como impedir a pergunta cá na cachola: Como é que é?

Alguém pode me explicar como este senhor tem a desfaçatez de fazer isso? O fato me irrita tanto porque já está a me irritar outro fato, aquele no qual o país inteiro parece fazer de conta que não vê o quão absurdo é fazermos de conta que o Sr. Lula não está direta e profundamente envolvido nos desvios e desmandos do Mensalão  cujo julgamento está em andamento no  Supremo Tribunal Federal. Isso é surreal, e me soa como uma piada de muito mau gosto.

Como podemos ainda admitir que, apesar de não estar sendo julgado, o que a meu ver deveria ter ocorrido, nosso ex-presidente fale aos quatro cantos sobre vergonha, caráter e honradez quando ele foi, e ainda é, o chefe maior e primeiro deste bando de ladrões que instalou sua quadrilha no Planalto Central? Fomos roubados, como já muitas vezes ocorreu, eu sei, concordo. Porém, desta vez, estão a esfregar na nossa cara toda a ladroagem e nós, ainda, fingimos que não percebemos o que está a acontecer.

Que nem todos sejam presos como gostaríamos que fossem, que as penas sejam muito mais leves do que imaginamos que deveriam ser, e que a justiça seja feita como sempre no Brasil: sem ser muito justa, ainda vá lá. Pode-se aturar porque nos escapam das mãos tais fatos. Mas admitir que o Sr. Lula fale de honradez e vergonha sem jogar um tomate podre sequer nele, sem vaias e, principalmente, sem mostrar nas urnas a pena maior que um cidadão pode dar aos maus políticos que é não elegê-los, isso já é demais. Até barata, com seu sangue que não chega a ferver, deve andar abismada nesta nossa Nação, tamanha a apatia brasileira. Será que o brasileiro esqueceu-se de como se grita o nosso “Pega ladrão”?

sábado, 20 de outubro de 2012

Todas As Palavras e Mais Uma (versão acústica 2012)

Todas As Palavras e Mais Uma (versão acústica 2012)

O soundtrack desta viagem, by Algodão.


O meu Mundo


Caminho pelo cais, Parque das Nações em Lisboa.


Depois de um mês longe de casa, (e pode parecer pouquíssimo para alguns já que parece pouco, assim falando, até pra mim) percebi, como dizem cá os tugas, que meu lugar é mesmo onde nasci. E disso não tenho mais dúvida alguma. Claro que viajar pelo mundo é muito giro mesmo, do caraças como poucas coisas podem ser.  Afinal, quando saímos de casa vemos o quão diferente a vida pode ser e, com isso e por isso, aprendemos muito mais sobre o que significa ser uma pessoa ao ampliarmos nossa visão para longe do universo que conhecemos bem.

Sentimo-nos muito perdidos também, principalmente quando viajamos sozinhos, porque nada é exatamente como sabemos ser e a cada novo passo precisamos aprender. Aprender como se dizem algumas coisas e que há coisas que não devemos dizer, aprender como entramos e saímos das estações do Metrô e que, antes de tudo, que por aqui as moedas são algo fundamental sempre. Sem elas, às vezes, não há como locomover-se. Aprendemos a ver as coisas a partir de um ponto de vista que não é o nosso.

Durante este um mês aqui conversei com algumas pessoas de lugares diferentes sobre a situação da Europa e do mundo em geral. Sobre como o Brasil parece estar bem, e mais todo o blábláblá que se conta por aí sobre o milagre brasileiro já estar a acontecer agora. Não duvido que nossa situação esteja mesmo melhorando economicamente, claro. Mas para além destas fronteiras, estamos tão distantes da cidadania que precisamos atingir que chega a dar um dó danado pensar. Temos muito a aprender.

Espero, algum dia, perceber em meu país o respeito pelo indivíduo e pelo bem público como vi nestes dias aqui. Poder caminhar sem medo pelas ruas sem importar a hora do dia ou da noite, confiar nas pessoas e naquilo que elas dizem e fazem simplesmente porque assim é que deve ser como vi, hoje, ao entrar num transporte público e não ter quem o cobrasse de mim. Paguei porque tinha que pagar, porque era o certo a fazer, sem que ninguém dissesse ou fizesse nada para aferir se o pagamento havia sido feito ou não. Sei que deve haver aqueles que simplesmente não pagam, que há por cá muitos problemas também. Mas, por princípio confia-se na lisura do cidadão, e isso é muito bom de ver.

Por isso, não há dúvida sobre a importância da Europa para o mundo que hoje temos. Aqui começou a civilização que conhecemos no ocidente e me parece, também, que aqui se encontra, ainda, um exemplo a seguir. Como um ponto de equilíbrio entre as jovens Américas e os países da Ásia, uma Europa forte e unida é o melhor para todos nós, mesmo que o próprio europeu duvide muito disso, pois precisamos provar para nós mesmos que somos capazes de conviver bem como cidadãos.

Foi-me preciso sair para entender que não há lugar para mim como a minha casa, e que por mais bonito que me possa parecer o jardim alheio, o importante é que eu cuide bem do meu jardim. O melhor lugar do mundo para eu viver é onde estão aqueles que amo, pois sem eles não há grandes motivos para seguir fazendo qualquer coisa nesta vida; e este lugar será sempre o Brasil. O negócio, então, é batalhar muito por uma casa melhor para mim e não, simplesmente, pensar que o melhor é dar as costas e sair.

Um abraço estorricado de tão apertado para todos, que a saudade é oceânica.


Giro: bonito, lindo, interessante cá em Portugal.
Do caraças: sensacional, espetacular por aqui.

Lenine MTV Acústico - O Silêncio das Estrelas



Dia lindo em Lisboa, e eu começo a me despedir da cidade num bom dia melancólico. A viagem está chegando ao fim, apesar de a busca ainda seguir, e eu feliz demais em poder voltar pra casa.

Lisboa



Lisboa, longe das ladeiras...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Uma cidade feita de sons




Lisboa não é uma cidade para ser vista como outras grandes cidades europeias o são. Claro que há monumentos, estátuas, castelos e igrejas, contudo, estes não são o melhor da cidade e chegam a decepcionar em alguns casos.  Lisboa não deve ser vista, mas sim ouvida e sentida. E apenas neste momento entende-se o que é esta cidade que parece não dar o devido valor a sítios históricos: a beleza de Lisboa está em sua luz, e mais profundamente em seus sons. Lisboa é feita de música, de conversas e do som do rio a bater manso contra as pedras nas pequenas praias e no cais.

Talvez, pela angústia e a ansiedade dos primeiros dias aqui eu tenha me esquecido que foi assim que a cidade se apresentou para mim no primeiro dia que aqui cheguei, em Lisboa havia música. E muito antes disso, anos atrás, foi também a música, mais especificamente uma voz portuguesa que me fez desejar estar aqui mais do que qualquer coisa. Então, apesar de haver sim coisas a serem vistas aqui, muitas vezes o melhor é fechar os olhos e apenas ouvir e sentir.

O segredo da cidade está em subir uma de suas ladeiras à noite, seja na Alfama ou em outro bairro, e sentar-se à mesa de um lugar pequeno para beber vinho e comer alguma coisa simples e caseira. Nestes lugares joga-se conversa fora, fala-se de Portugal, do Brasil, da vida e de tudo que se há para falar de maneira animada e intimista ao mesmo tempo.

Nestes momentos, não importa a ninguém o nome do vinho ou da comida, tal como não importam tanto assim os grandes monumentos. O importante é o que se ouve e se sente ali. Então, fecha-se a porta e a luz elétrica adormece para dar lugar às velas. Faz-se silêncio para ouvir, e faz-se a música de maneira frugal e quase sagrada. Ouve-se o fado com seus lamentos e duas guitarras.

Por isso, ontem, sentada a uma destas mesas até alta madrugada, não conseguia entender como não ouvimos mais a música que aqui é feita. Pois que não se trata de gosto ou idade, mas apenas de ouvir o que aqui é feito com nossa alma. E agora eu sei que sentirei saudades eternas de Portugal e seus sons.

Um beijo a todos os amigos,
 um beijo com todo o carinho à voz que me trouxe aqui.

domingo, 14 de outubro de 2012

Ladeiras cheias de tempo



Cheguei à conclusão que todas as pessoas que moram em Lisboa devem ter pernas fortes deste subir e descer eterno da cidade por suas ruas estreitas e antigas. Este é o mundo das ladeiras e, apesar de termos aqui um céu tão azul e o Tejo com suas aspirações a mar a chamar todo lisboeta a navegar, a cidade se fecha nela mesma com seu delicado labirinto.

Aqui não há a amplidão de outras cidades e tudo parece interno, ensimesmado. Claro que há muitas outras Lisboas para além deste pedaço por onde tenho caminhado, e com certeza estas se distanciam desta realidade labiríntica. Entretanto, cá dentro, no centro mais antigo da cidade, respira-se devagar, caminha-se devagar e o tempo faz curvas para passar pela cidade demorando-se, então, um bocadinho mais.

O moderno nestas ladeiras tem pelo menos cem anos. E, para mim, elas parecem ser donas de todo o tempo deste mundo

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Complicada



Por vezes me pergunto o porquê de complicarmos tanto a vida e, a bem da mais profunda verdade, não conheço alguém que o faça melhor que eu. Pois, que, talvez, esta seja a minha qualidade mais apurada: complicar. Entende-se complicar aqui por não entender, e não permitir, que a vida seja vivida da maneira mais simples. Ao oposto da simplicidade, gosto de tudo que se afasta do comum, do corriqueiro e do mais adequado àquilo que seria mais fácil na vida.

Não sei bem porque estas ideias vieram saltar cá dentro nos miolos. Talvez porque seja a mais pura verdade, ou porque eu tenha voltado cá para Lisboa e escolhido um albergue para ficar. Bom, o albergue em si é muito agradável e eu queria ver gente; afinal viajar sozinha tem suas questões e pode, sem querer, ficar solitário demais até para quem a solidão agrada. Não é o caso agora aqui. Entretanto, o fato do elevador estar quebrado e haver cinco andares de escadas até o andar do albergue... Bom isso foi de chorar. Sorte minha, e tenho que agradecer de joelhos aos meus anjos da guarda de plantão eterno, que assim que subi os primeiros degraus apareceram dois alemães gigantes que levaram minha mala grande e seus vinte e oito quilos cinco andares acima.

Então, aqui sentada me pergunto: por que não passei mais uma semana em Barcelona estudando e aproveitando aquela cidade com minhas novas amigas de viagem? Resposta: porque sou uma cabeçuda de marca maior, crente no impossível como se ele fosse fácil e curiosa até o último fio de cabelo. Assim é. Contudo, à altura da vida na qual me encontro e quando seria muito mais comum ter o oposto disso tudo, sinto-me muito bem fazendo tudo isso apesar dos pesares todos. Sinto-me viva.

Não sei se encontrarei aqui o que busco, até porque quem gosta de complicar a vida nunca sabe exatamente o que procura, e quando acha logo acha mais alguma coisa para procurar. Espero encontrar algumas respostas e ser compreensiva o bastante para aceita-las. Eu compreensiva? Difícil, sei bem. Espero também conhecer mais e mais gente. Muita gente. Ouvir outras vezes na minha vida várias línguas faladas ao mesmo tempo a dar um nó no meu cérebro e, por isso, uma saudade apertada do meu querido Português.    
                                                                                                                                                                                                                                                            
Uma coisa eu já entendi depois de tantos dias longe de casa. Entendi que sou profundamente brasileira e que meus pés se sentem muitos mais confortáveis quando pisam a sua terra.  Por tanto, não importando onde eu esteja, sentirei sempre saudades profundas do Brasil.

Beijos e saudades de todos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sabor



Talvez, porque tudo que é doce demais enjoa
haja em ti este amargo,
algo entre ácido e salgado que me assusta a língua
e trava a garganta.
És o sal do silêncio, e me fascina.
Talvez por isso, e porque não há verdade
naquilo que se pensa completamente doce e bom,
haja em mim este azedo,
algo entre o veemente e o apimentado que te assusta os olhos
e os sentidos irrita.
Sou o des(gosto) das palavras, e te fascinas.




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Uma Babel Particular




O desconforto e a estranheza dos primeiros dias se foram completamente e deram lugar a uma inconformidade que aumenta com o passar dos dias. Pois, se na primeira semana o tempo que ficaria em Barcelona me parecia mais que suficiente, um exagero até, agora ele já me parece tão parco que beira à indecência. Sentirei saudade da cidade e das pessoas desta cidade que, apesar de relativamente pequena, acomoda um mundo de diversidades em suas ruas.

Mais do que o prazer de caminhar pelas ruas da cidade e de ver obras e monumentos únicos, conversar com as pessoas é o que mais me agrada. Conhecendo-as mesmo que por alguns dias num convício forçoso e forçado, dada à situação, percebe-se o quão fácil é conviver com gentes de todos os lugares. Japoneses, chineses, coreanos, americanos, russos, holandeses, búlgaros, alemães, suíços, espanhóis, e quem mais vier; não importa. Há sempre muito em comum e, ao mesmo tempo, muito a aprender um com o outro. Basta uma língua em comum, inglês ou espanhol, e pronto, a conversa flui natural e caudalosa. Talvez por sabermos da brevidade deste momento, talvez porque a curiosidade de todos por cada um seja enorme. Não sei. O certo é que, não importa onde o outro nasceu, se conversa muito, sempre.

Por isso, e por muitas outras coisas, ando pensando no porquê de haver tanta guerra neste mundo já que somos tão iguais no final das contas. Por que ainda lutamos por governos e seus interesses que não são, nem nunca serão, os nossos? Por que achamos tão difícil perceber o Mundo como um só, e ainda teimamos em separar as pessoas em raças distintas? E lá vem outro “Não sei”. Talvez porque, mesmo nestes dias de tanta informação disponível, sejamos muito mais inocentes e tolos do cremos ser. Claro que há diferenças entre cada um; e isso não se discute. Entretanto, essa diferença existe para todos, inclusive para irmãos que nascem numa mesma casa e são criados pelas mesmas pessoas, ou não?

Em nossa Babel particular, mais conhecida como nosso apartamento, há três nacionalidades diferentes: brasileira, japonesa e americana, contudo, nunca houve problema algum de compreensão ou entendimento. Às vezes reina o espanhol na casa, língua que não é a nossa, mas que nos une. Às vezes há uma mistura para a qual não sei que nome dar, com frases que carregam um tanto de inglês, bocados de português e um acabamento castelhano. Às vezes reina soberano o inglês ou o português que é mudado, automaticamente, para que todos nos entendam. Porque aqui, e em situações como esta, aprendemos logo o valor da gentiliza.

Catalunya y el Català

Forte no topo do Monte Monjuïc, a bandeira da Catalunya


ÀNIMA
Quina llengua parles, ànima, quins braços
estens enllà dels vidres de l’edat,
del fred que crema l’herba
i dóna als arbres una vesta de malencolia?
Per què et refugies tant en les insondables flamerades
cercant el mar en les teues mateixes mans?
Envelleixen amant,
ficant en terra les sements dels viatges que escollires
en la lluïssor de les més abandonades pedres.

Alma
Que língua falas, alma, que braços
estendes para além dos vidros da idade,
do frio que queima a erva
e dá às árvores uma veste de melancolia?
Por que te refugias tanto nas insondáveis labaredas
procurando o mar nas tuas próprias mãos?
Envelhecem amando,
fincando na terra as sementes das viagens que escolheste
no brilho das mais abandonadas pedras.

un poco de la lengua que se habla por las calles acá, el Català