domingo, 27 de janeiro de 2019

Sujos



Sujos

O que Significa viver num país corrupto?
Significa que a vida,
da menor e mais frágil que seja
até aquela que enche uma cidade inteira
frenta à possibilidade do lucro não passa de detalhe;
de migalhas.
Plantas e
passarinho,
peixe,
cachorros e gatos,
uma grande porção de gado,
uma casa inteira...
Casa cheia de gente que antes respirava,
andava,
falava;
várias casas e uma vila inteira
se cala
devorada pelo barro outra vez. Mais uma vez.
Somos um país que mistura gente com lama
para que depois de algum tempo
ninguém se lembre direito dos corpos que não foram encontrados.
Corpos deformados,
despedaçados que não são mais gente. São trapos...
A vida por cá não tem grande valor se grandes valores a ela não se amealham.
Vida não se guarda em banco na Suíça,
não compra bolsa que vale os salários de um par de gente;
salário de um ano inteiro.
Somos um país sujo
de gente suja que devora com seus olhos grandes
parte da minha gente
repetidamente...

Desta vez são mais de 300 pessoas mortas num piscar de olhos em Brumadinho. Haverá outras vezes...





segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

domingo, 20 de janeiro de 2019

O Tempo (10 anos)




O Tempo (10 anos)

A ideia de comparar através de fotos os últimos 10 anos me assusta um pouco. Afinal, não preciso de foto alguma para perceber que não estou melhor fisicamente agora do que estava em 2009. Como dizem todos, a idade chega para todos e, já que não voltei a ser anjo morando nas nuvens ainda, estou envelhecendo. E dez anos, (bora combinar), são uma carga pesada para quem não é mais um miúdo. Escondam os espelhos! (risadas)

Há dez anos fazia um pouco mais de um ano que eu voltara para São Paulo depois de viver alguns anos em Fortaleza e, uma década depois cá estou em numa situação parecida. Desde maio passado cá estou eu mais uma vez. Curioso isso, não? A verdade é que o fato não passa disso: apenas de uma curiosidade. Já que, afora a tal coincidência geográfica, a vida agora não se parece em quase nada com os idos anos. Eu mesma deixo de me parecer comigo; pelo menos com a mulher que eu era em 2009. E poderia dizer que estou a evoluir, ou a ganhar mais independência e uma carapaça análoga àquelas que sustentam as tartarugas. Se isso é realmente bom... Bom, todavia não sei dizer.

O tal 2009 foi um ano de estrema importância para mim. Mudou-me para todo o sempre com seus fatos e momentos incríveis que ocorreram quase sem ninguém perceber. Meus segredos nasceram naquele momento, (sorriso), segredos não muito secretos; eu sei. Porém, naquele ano nasceram os segredos que minha alma carrega consigo, e nasceu uma vontade que deveria estar latente há anos e eu não sabia. Em 2009 comecei a escrever, a fazer esta terapia solitária que garante a sanidade necessária para seguir em frente.

Pois é, uma década se passou, e os tais dez anos passaram mais rapidamente do que eu imaginava seria natural ser. Hoje eles parecem-me um pouco mais do que alguns meses; um tempo que passou sem eu me aperceber. Por isso, agora, espero que eu abra muito bem meus olhos e assim os mantenha. Como diria o Renato Russo: “Não temos tempo a perder.”



terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Oração Ao Tempo



Àquele que nos constrói e pelos pés
nos rói. Para ele
que nos transforma; deforma
e no final
afronta e derrota
uma oração
bonita de ouvir.



Oração Ao Tempo
Caetano Veloso

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo

O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo, tempo, tempo, tempo

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Portanto, peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

ser







ser


Queria ter nascido japonesa

oriental haikai

delicada e harmônica poesia

sempre medida

contida em sua métrica regulamentada e pré-estabelecida

mas não

queria ter nascido francesa

decida e hermética

apaixonadamente idealista

a sair pela rua cidadã orgulhosa e cheia de direitos

mas não

queria ter nascido americana

míope ufanista

ignorando o mundo para além dos meus muros

e uma bandeira listrada na mão minha

mas não

nasci latina

uma mistura um tanto amorfa

de retalhos

da humanidade inteira

sem métrica ideal ou direitos     

naturalmente

                    assimétrica


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Nuevas Palabras






Algunas palabras y sonidos de Mauricio Rosencof;
regalos para mis oídos.



66

“Te silbo
bajito
pensamiento
triste,
tango.
Que no
te vayan
a escuchar”.




Lo grande que es ser chiquito.


La cañada hace el arroyo,

y los arroyos el río.

Y es el principio de todo

una gota de rocío.



Los ríos forman la mar,

y la mar tiene por valla

las arenas de la playa

donde su ola va a dar.



La arena es sólo un granito,

el rocío, simple gota.

Y en este ejemplo se nota

lo grande que es ser…

chiquito.



Mirándote

En el sillón sentado
miro por la ventana,
pienso y toco tus manos
mirando tu reflejo

De lado a lado miro
por la ventana
y mirando ¡Te veo te veo!

Estas en mis recuerdos
y no conozco
tu olor o despedida

Me mancho entre paredes
y cuelgo la mirada
una vez más
en la ventana.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Sobre a invenção da máquina do tempo em terras tupiniquins e d’outras tribos

Sugestão de leitura para as moças em moda no Brasil


Sobre a invenção da máquina do tempo em terras tupiniquins e d’outras tribos


Entramos no ano de 2019 não faz muito, verdade. Contudo, esperava eu novidades com a vinda do tal ano novo em folha. Novidade que fossem compatíveis com os tempos que vivemos, afinal já passamos quase duas décadas da entrada no novo século e o tal século XX já nos soa como algo deveras remoto. Entretanto, ao revés disso, a impressão que tenho é a de que devemos ter entrado numa espécie de túnel do tempo, um buraco de minhoca qualquer, que nos trouxe de volta a tempos já há muito passados. Acho que estamos, sem muito perceber, presos num “revival” de mal gosto dos anos 50 ou 60.

Pois,  devemos realmente ter inventado uma máquina do tempo e nela nos metido sem muita precaução e aviso. Se não, como explicar o tipo de discurso e discussão que temos tido a partir do dia 1º de janeiro?  Como explicar as discussões sobre a ameaça comunista e socialista no Mundo e em Terras Brasilis? Como entender que da boca da Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos brasileira tenha saído algo tão anacrônico e sem qualquer sentido como: “as meninas vestem rosa e os meninos vestem azul.”?

Devemos esperar o quê de agora em diante: uma cartilha para que nós mulheres saibamos como devemos nos comportar e agradar aos nossos adorados esposos? Ou que a homossexualidade volte a ser considerada uma doença mental e quiçá um crime em nosso país? Voltaremos aos tempos nos quais nós, meninas, não tínhamos direito a usar calças e ao voto?

Bem, vivendo no país que sustenta o 5º lugar no planeta em mortes violentas de mulheres apenas pelo simples motivo de sermos mulheres, não consigo perceber este mundo rosa no qual habita a tal senhora que, infelizmente, é uma Ministra de Estado. Muito para além da questão feminina, quando falamos de Brasil, falamos de um país onde as noções de cidadania e de respeito para com os outros indivíduos é parco. Vivemos num país onde os direitos dos cidadãos são pouco respeitados cotidianamente e, sendo assim, não acho razoável que um Ministro dos direitos humanos ajude a reforçar estereótipos equivocados e anacrônicos sobre como deveríamos ser. Não?

A verdade é que todo esse barulho sobre cores, bem como a tal ameaça comunista vinda de uma realidade que já está morta a mais de trinta anos, só fazem sentido se pensarmos nos motivos pelos quais tais discursos e conversas nascem. Bem, eles nascem apenas para criar dicotomias inexistentes entre supostos oponentes. Para gerar um mundo fantasioso de mocinhos e bandidos onde a luta do bem contra o mal é a única coisa que nos interessa; para que nos esqueçamos de todo o resto. Afinal, qual a finalidade de termos heróis e salvadores da pátria se não tivermos os nossos terríveis inimigos a combater?

Panis et Circus, brasileiros. Habemus Cesar!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

4




4


Éramos quatro,  de dois

multiplicados. Éramos um

somados numa matemática que fazia sentido

até que, de repente,

subtraíram-nos.

Um de nós foi promovido a passarinho

e, como devemos de toda ave esperar,

abriu suas asas e deixou para trás

o nosso azul ninho.

Nos dividimos e multiplicamos e de quatro

éramos muitos,

sem nunca sermos um.

Éramos sozinhos.