quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

10

 



10

 

Bem, não ganhamos a Copa do Mundo mais uma vez. Uma pena? Bem 2, para mim que sou brasileira: sim. Contudo, e se levar em consideração o fato de que os melhores times devem, por justiça, apesar de o futebol não ser o mais justo de todos os esportes, chegar à final, não. Não foi uma pena não ter visto o Brasil na final já que não fomos tão competentes, criativos e capazes quanto franceses e argentinos. Não senhor. Apesar dos vários talentos, faltou-nos sermos um time valente e perigoso.

Contudo, e apesar da derrota no chocho jogo contra a Croácia, gostei muito dessa Copa por outros vários motivos que me agradaram deveras.

1.       Assisti a todos os jogos do Brasil com meu pai, além de vários outros jogos da Copa. Algo íntimo e que não acontecera até então. Apenas nós, os dois, uma cerveja e os olhos colados na tela. Críticas várias dele sobre o nosso desempenho, (creio não ser nada fácil achar graça em qualquer time depois de 70), eu nem sempre a concordar com ele (para variar ;D)... Pai e filha que sempre assistiram à bola juntos desde sempre... Foi muito bom termos essa uma Copa juntos. Essa foi a nossa Copa.

2.       Torci muito pelo Marrocos e aplaudi sua chegada à semifinal. Foi muito bom! Nada contra os países europeus e todo a sua competência futebolística a ganhar muitos títulos. Entretanto, já me incomodava profundamente ver tantos talentos de origem africana sem quase nenhum reconhecimento da força deste continente no futebol. Hoje fico a imaginar uma África rica e bem estruturada a mostrar todo o seu potencial nos campos. Nas ciências, na música, nas artes, nos esportes em geral... Imagine só como o nosso Mundo seria mais rico, interessante, diverso e bonito?!

3.       Lionel Messi é CAMPEÃO DO MUNDO!!! Meu ídolo, o gênio que vi em campo a jogar como ninguém. O único que eu chego timidamente a comparar com o Rei merecia a maior das honrarias do futebol. Torci para ele, solitária, em 2014. Torci para ele na última Copa América, que nada significaria para nós em 2021, solitariamente mais uma vez. E nada me importa isso de dizer que os argentinos são nossos arqui-inimigos na bola. Danam-se as regras dos outros. Torci para a Argentina em todos os jogos da Copa, e para mim, apesar de toda a rivalidade, foi muito bom ver a Argentina (e todo seu talento) campeã mais uma vez. Apenas sinto pena de não ter podido ver o maior Brasil e Argentina de todos os tempos na semifinal. Teria sido épico! Fora isso, nada de arrependimentos. Dessa vez, com meus sobrinhos, torcemos e sofremos por Messi, Di María e todo o plantel platino como nunca. Com Vitória a meu lado torcendo pelo meu ídolo como se ela realmente soubesse quem ele é. Paixão sendo germinada no coração dela por mim.

Ainda haverá muitas Copas para nós duas e o futuro futebolístico da família está sendo construído. Football mode loading...

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Montanhas de Algodão

 


Montanhas de Algodão

 

Ana dirigi seu carro numa noite chuvosa e gelada sem prestar muita atenção ao que faz. O frio espantara a lua e as estrelas de um céu escuro e mais solitário; ruas vazias. Uma luz vermelha para o mundo, e os olhos se põem no céu enquanto no rádio do carro Eddie Vedder canta Nothing is as it seems.

No céu as nuvens ganham a forma de uma cordilheira etérea, o céu e o chão confundem-se na escuridão e para olhos distraídos agigantam-se montanhas acinzentadas de algodão. Nada é, realmente, o que parece. E tantas vezes a ilusão é tão mais bela do que a realidade. Pensou a mulher encantada por nuvens e montanhas.

Pois, sem querermos fugir da realidade, já que ela é tudo o que temos, não há como negar que existe uma parte de nós que quiçá nunca tenha deixado de ser infantil e sonhadora. Uma parte crente no mundo invisível que habita toda a gente que cultiva a beleza da inocência de olhos pueris.

Por que nos escondemos tanto do mundo, questiona-se Ana, ao mesmo tempo que ela se lembra o quão belo foi o jovem Vedder. Sorri a menina que nela habita. Sempre lhe foi engraçado como todas as vezes que ouvia o nome de Eddie Vedder, ela se lembrava de Darth Vader. Não, realmente não há nenhuma relação para além de umas poucas letras de um sobrenome. Como não amar Lord Vader? Questiona-se ela. Yeah, nothing is as it seems. And that’s what we call a train of thoughts.

Chaos in my mind while the world seems to sleep. Refletiu Ana. Refleti eu. Qual o tamanho da minha casa habitada por Ana? O quanto ela é real? Ana sou eu? Sim, em parte. Não na realidade.

A cordilheira de nuvens se move diante dos olhos pensadores. O sinal de trânsito torna-se verde e o mundo põe-se em movimento. Nada mais de cadeia de pensamentos. Nada mais de sentimentos a inundar a mente.

Ana, acelera o carro e freia os pensamentos.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Por enquanto

 


GORDA realidade

 


GORDA realidade

 

A gorda realidade sentou-se, pesada, à mesa há tempos

enquanto nós, os dois, a observamos

imóveis.

Imensa, a engolir tudo que orbita ao seu redor;

ela come.

Faminta, a realidade sem qualquer realeza,

amplia suas fronteiras pouco a pouco

sem trégua,

e em sua parca grandeza dos avarentos nos devora

aos bocados pequenos.

Nós, feitos de ideias,

de sonhos

de desejos e fantasias sem fronteiras

somos tênues como as pequenas borboletas amarelas...

quase não existimos

nada podemos.

E assim, em silêncio, apenas observamos os grandes dentes vermelhos

sem medo nem desespero.

Entregues,

nos deixamos ir

enquanto a realidade nos engole.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

O astro Rei e a nossa alegria

 


O astro Rei e a nossa alegria

 

Nasci sob o reinado de Pelé em sua grandeza suprema alguns meses depois da conquista do tricampeonato em 1970.  Edson já havia deixado de ser um ser humano comum quando vim a este mundo e passara, consagrado, a ser considerado Rei não apenas por seus súditos, mas por todo o Mundo. Pelé é único e incomparável. Pelé é lenda viva, ser mitológico de carne e osso que respira. Pelé é o Deus negro do Futebol.

É bem verdade que depois dele, e antes dele, surgiram seres com super poderes sobre os gramados. Didi, Garrincha, Jairzinho, Eusébio, Maradona, os nossos Ronaldos: Nazário e Gaúcho, Messi, Cristiano, Mbappé... e tantos outros. Alguns excelentes atletas, outros seres geniais. Verdade. Entretanto, e mesmo assim, não haverá jamais alguém que se iguale a Pelé. Pelé é Pelé e ponto final. E nem mesmo o Sr. Edson Arantes do Nascimento será, ao mito criado por ele próprio, igualável.

Pelé, ao contrário de Edson Arantes do Nascimento e de todos os outros mortais, será eterno e perfeito sempre. Um ser vindo ao mundo para bailar com a bola em campo como se as regras da física fossem revogadas para que os dois se encontrassem em estase. A bola de futebol enamorada por ele deixou-se conduzir com prazer, ele apaixonado por ela a conduziu com a graça e elegância de ninguém mais. Os dois dançaram juntos por muito tempo; por uma vida inteira.

Imaginar que o Senhor Edson está no final de sua vida me assombra por tudo isso. Porque com ele, mesmo que não totalmente, também partirá Pelé. Eu como sua súdita fiel percebo agora o quão difícil será para mim encarar esta perda no futuro. Meu mundo nunca existiu sem o meu Deus do futebol, e ter que aprender a estar sem ele me machuca pois eu sei que seríamos um povo diferente se Pelé não existisse.

Não quero perder Pelé porque somos em grande parte o resultado de seus feitos e suas conquistas. O mundo nos reconhece em Pelé, nossa bandeira através das mais distintas e longínquas terras é a camisa 10 por ele vestida. Nossa graça, nossa ginga, nosso orgulho de sermos um povo mestiço e talentoso começou ali, em 1970, quando Pelé mostrou ao mundo que éramos capazes de tudo. Éramos em 1970 e ainda somos todos nós, brasileiros, uma parte de Pelé.

Pelé sambou pelos campos e com eles fomos, e somos, felizes e plenos com alegria. Vida longa ao Rei!




quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Pessoa


 



Não, não é cansaço...

É uma quantidade de desilusão

Que se me entranha na espécie de pensar,

É um domingo às avessas

Do sentimento,

Um feriado passado no abismo...

 

 

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser gênio.

 

 

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.


Fernando Pessoa

 

 

domingo, 20 de novembro de 2022

Liniker - Intimidade

A Copa do Mundo Agridoce

 


A Copa do Mundo Agridoce

 

Começa mais uma Copa do Mundo e eu, como sempre, me assanho. Olhos famintos por todos os jogos, camisa nova do Brasil, horas e horas de programas sobre a bola. E a busca por outros que como eu respiram o gramado da cancha felizes por estes dias para uma boa prosa de horas é um prazer. Sim, gosto de futebol desde que me lembro por gente. Talvez por querer passar algum tempo com meu pai e ter o que falar com ele. Coisa de meninos, sabe? Pode ser.

Entretanto, não há, para mim, como não se apaixonar por um jogo de xadrez cheio de emoção e movimento. Peças todas vivas e alertas, a estratégia que anula o oponente, ataque contra defesa, os lances geniais e inesperados. A inteligência e as capacidades físicas unidas a favor da beleza de gols únicos; como não amar tudo isso? Não sei.

Desta vez algo me diz, simplesmente porque sim, que mais uma vez verei a minha seleção campeã. Quiçá? Aceito apostas. Chances temos, como quase todos os times as têm. Porém, o mundo todo há de convir que 20 anos sem um título é tempo demais para nós. A mais mágica de todas as seleções de futebol tem que brilhar mais uma vez; não? Sim! E isso será muito bom para nós brasileiros apesar de todos os pesares.

E os pesares são tantos que, mesmo com todo o fanatismo pela redonda a rolar, não conseguimos mais ignorar o tamanho das injustiças do mundo do futebol, de sua cobiça infinita por dinheiro e poder, de seus desmandos e absurdos que ocorrem apenas para que tenhamos nós, pobres mortais, um mês de muito circo e pouco pão.

A copa no Qatar traz consigo mais questionamentos sobre o quão equivocada foi esta escolha de país para o evento do que as maravilhas que todo o infindo dinheiro dos xeiques catares pode comprar. Afinal, como celebrar uma nação onde a liberdade é um bem restrito a homens héteros e com alguns dinheiros no bolso? Um país misógino, xenófobo, homofóbico. Um país? Pois, não há como celebra-lo.

Como foi difícil celebrar a Rússia de 18, o Brasil de 14, a África do Sul de 10... a Argentina de 78. Esta é uma história antiga, não?

Curioso torna-se, porém, o fato de percebermos que um país artificialmente fantástico em sua essência não consiga de forma alguma esconder as mazelas humanas, que pululam num mundo tão agridoce quanto o nosso, de nossos olhos nem mesmo enquanto a tenda do grande circo está armada e o picadeiro iluminado.

Que venha o hexa sem direito a grandes festas e ilusões.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Baby


Baby

Você precisa saber da piscina

Da margarina, da Carolina, da gasolina

Você precisa saber de mim

 

Baby, baby, eu sei que é assim

Baby, baby, eu sei que é assim

 

Você precisa tomar um sorvete

Na lanchonete, andar com a gente, me ver de perto

Ouvir aquela canção do Roberto

 

Baby, baby, há quanto tempo

Baby, baby, há quanto tempo

 

Você precisa aprender inglês

Precisa aprender o que eu sei

E o que eu não sei mais

E o que eu não sei mais

 

Não sei, comigo vai tudo azul

Contigo vai tudo em paz

Vivemos na melhor cidade

Da América do Sul, da América do Sul

 

Você precisa, você precisa, você precisa

Não sei, leia na minha camisa

 

Baby, baby, I love you

Baby, baby, I love you

Baby, baby, I love you

Baby, baby, I love you

Baby, baby, I love you


I will miss you, baby, forever.


sexta-feira, 4 de novembro de 2022

OmarAmar

 


OmarAmar

Há tempos perdi-me no labirinto construído

pelo contorno da tua boca

silenciosa

Esperando que me devores

e me engulas sem cerimônias, sem resistências

sem reticências

Vagam pelas vagas das tuas coxas minhas mãos

mornas, enquanto

Enamorados pelo canto esquerdo do teu sorriso tão sonoro

mergulham meus olhos nas tuas curvas ondas

Dentes felizes na carne

Unhas felinas, preguiçosas, passeiam pelos teus flancos

francos

Mergulho em ti

Tu mergulhas em mim

Afogamo-nos

O mar amar

amar no mar

Há amor

amor

OmarAmar

 

 

 

 

domingo, 30 de outubro de 2022

Sem paixão, por favor.

 


Sem paixão, por favor.

 

A esta hora, pouco mais de uma hora depois do final das eleições no Brasil, não sabemos como nem qual será o nosso futuro. Continuaremos com o Sr. Jair e seu clã do terror ou teremos Lula e sua megalomania de volta? Meu voto não é secreto, apesar de não o gritar aos quatro ventos. Jamais, em tempo algum, votaria em um ser humano do naipe do Sr. Jair. Seus asseclas diriam: um homem honesto, não? Não, não senhor.

A verdade é que, como a grande maioria dos senhores e senhoras que grassam na vida política de Terra Brasílis, tanto Luiz Inácio quanto Jair Bolsonaro estão distantes da hombridade e honestidade que desejamos. Ambos mentem descaradamente, creem-se seres ungidos por Deus, são desonestos e malandros por hábito e, com certeza, estão ou estiveram envolvidos em casos de desvio de dinheiro público para os próprios cofres ou para os cofres de seus partidos políticos.

Qual a diferença então? A diferença é que o Mundo como pensa o Sr. Jair é um mundo que não está certo para mim. Um mundo violento e preconceituoso, um mundo sem nenhum respeito à vida e à natureza, um mundo sem lugar para a educação como a vejo e cheio de igrejas que pregam tudo, menos o amor cristão.

A diferença é que tenho ojeriza a este tipo que prega pela família tradicional brasileira com sua moral irreal e cheia de preconceitos. Um tipo que todos nós deveríamos conhecer; principalmente as mulheres. O tipo que urra contra a aprovação do aborto legal no Brasil ao mesmo tempo que paga pelo aborto das amantes. Aquele que arrota honestidade enquanto passa a perna nos outros sempre que tem a oportunidade. Aquele que diz que defende as mulheres ao mesmo tempo que as têm como seres inferiores. Aquele tipo que tenta a todo o custo nos dizer o que pensar, o que sentir.

Não morro de amores por Lula; não senhor. E, sinceramente, desconfio profundamente dos apaixonados por políticos de plantão. Como podem ser tão tontos assim? Mania sem pé nem cabeça desta minha América Latina de querer encontrar para si um salvador da pátria. Isso é tão irracional que dói quando penso. Como diz muito bem o outro: políticos não existem para serem admirados, mas sim cobrados. Deveriam nos representar e nos servir. Bem, não o fazem, pelo menos ainda não, por aqui.

Mesmo assim, sem grandes alegrias e pronta para enfrentar problemas futuros, sentir-me-ei aliviada com o fim da presidência de Jair Bolsonaro. E espero que, depois de tanta bobagem feita, possamos pensar a política no meu país de forma racional e nada apaixonada. Afinal, a paixão cega; sempre.

Por hoje quero apenas esperar o resultado das eleições e cantar mais uma vez, como cantamos por tanto, por tempo demais por aqui.

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...”

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Menino meu

 


Menino meu

 

Palavras tão escassas, raras,

ousam atravessar as portadas da tua boca cerrada

Não nasceste para falar, menino malandro de poucas;

riso contido

E o olhar decidido posto nos olhos miúdos

dizem mais que muito num mundo onde a expressão dos sentimentos

é minimalista

Essência de quem parece, desde pequeno, ter compreendido

que a complexidade não se faz necessária para que a vida

seja boa

E tudo é bobagem...

menos o voo pelos campos

Menos o correr feito louco

Menos o saltar a tocar a Lua

Que tu tens certeza, é tua.

Ningún Lugar




sábado, 15 de outubro de 2022

Peekaboo

Olhos

 




Olhos

 

Ana fechou os olhos secos. Há tanto tempo abertos, escancarados, desidratados; esperando enxergar algo inexistente. Aquela mulher pequena fechou os olhos para melhor ver o que se passava pela alma dela; aquele lugar onde ela habita, onde poucos, muito poucos, habitam tranquilos como se o tempo não existisse. O amor nunca termina. Fica apenas escondido dos outros e de nós mesmos por detrás de um grande armário, no fundo de uma gaveta.

Ana fechou os olhos cansados para procurar no escuro de toda a existência o amor dela. Para saber e perceber se ele ainda respirava, mesmo que pouco, aos poucos. Mesmo que fraco como um fiapo; ajudado por aparelhos. O amor nunca termina. Apenas seca escondido na terra, como secos estavam os olhos da menina. Porém, basta chover, não? Pensou ela.

Ana fechou os olhos, sem muita vontade de abri-los depois. Queria apenas estar. Sem pensar, sem saber, sem querer. Queria ser um grande jatobá carregado de flores e frutos, sozinho no meio de uma planície de gramínea rasteira e montanhas ao fundo. Sem olhos de gente por perto a mulher de tronco e galhos, cheia de folhas, seria feliz a ouvir o canto dos passarinhos que por seus galhos montassem seus ninhos.

Ana abriu seus olhos, e o mundo cá fora não lhe parecia tão belo quanto toda a planície que ela concebia por detrás da retina. E pensou, tranquila, que seria melhor ser árvore grande a olhar os campos de cima. Suas flores abertas a perfumar o ar, seus frutos maduros tombando por terra, seus galhos bercinhos para os ovos de passarinhos... O amor não termina, não morre. Apenas se esconde dentro do coração da gente pelo resto da vida.

Ana fechou os olhos.

 

Algoritmo Íntimo





Criolo & Ney

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Sobre a ausência...

 


Tomara

Tomara que você volte depressa

Que você não se despeça

Nunca mais do meu carinho

 

E chore, se arrependa e pense muito

Que é melhor se sofrer junto

Que viver feliz sozinho

 

Tomara que a tristeza lhe convença

Que a saudade não compensa

E que a ausência não dá paz

 

E o verdadeiro amor de quem se ama

Tece a mesma antiga trama que não se desfaz

E a coisa mais divina que há no mundo

É viver cada segundo como nunca mais

 

Ausência

 

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

 

AUSÊNCIA

 

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.

 

 

A UM AUSENTE

 

Tenho razão de sentir saudade,

tenho razão de te acusar.

Houve um pacto implícito que rompeste

e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.


Detonaste a vida geral, a comum aquiescência

de viver e explorar os rumos de obscuridade

sem prazo sem consulta sem provocação

até o limite das folhas caídas na hora de cair.

 

Antecipaste a hora.

Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.

Que poderias ter feito de mais grave

do que o ato sem continuação, o ato em si,

o ato que não ousamos nem sabemos ousar

porque depois dele não há nada?

 

Tenho razão para sentir saudade de ti,

de nossa convivência em falas camaradas,

simples apertar de mãos, nem isso, voz

modulando sílabas conhecidas e banais

que eram sempre certeza e segurança.

 

Sim, tenho saudades.

Sim, acuso-te porque fizeste

o não previsto nas leis da amizade e da natureza

nem nos deixaste sequer o direito de indagar

porque o fizeste, porque te foste.

 

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 24 de setembro de 2022

Silêncio

 


Silêncio

 

Acordo e os dias seguem

definidos por mim indefinidamente

A seguir confortável numa rotina segura,

tranquila vivo

a vida que escolhi

Mesmo assim, durante o dia,

vez ou outra,

coça-me o canto do olho direito

e de soslaio

te vejo

Escondida por de trás da menina dos meus olhos

lá está a vida minha que à deriva segue

Fora de meu controle

sem que meu desejo reine

sem que meu querer possa algo fazer;

minha tempestade secreta

em silêncio

respira

Acordo, e os dias seguem

domingo, 18 de setembro de 2022

A Flor que Canta...




Luna25

Capotando

 


Capotando

 

O mundo não gira, ele, às vezes, capota... E sempre que ouço ou leio isso, sorrio. Não porque simplesmente eu ache graça da desgraça alheia, mas porque imagino o mundo, gordinho, de pernas para o ar sem saber como fazer para resolver a situação; feito uma tartaruga de barriga para cima.

Por esses dias, li a tal capotagem do Mundo numa postagem que zombava de um time de futebol feminino e sua torcida que, devido à vantagem conquistada anteriormente, já se achavam vencedores da parada. Pois 1, perderam. Não só perderam, mas levaram uma surra vergonhosa de dar pena a todos. Bem, quase a todos.  Nós, os que batemos figuradamente, apenas no campo do desporto, amamos o feito.

Contudo, o fato, é que a tal capotagem faz parte de nossa natureza. Quando menos esperamos, sem percebermos de onde veio a rasteira, de um repente nos vemos de pernas para o ar à la barata tonta. Falhamos, ou o mundo falhou conosco. Não importa. O fato é que muitas e muitas vezes aquilo que nos parecia certo simplesmente não acontece.

Eu também já capotei inúmeras vezes e com estilo, para além de todas as vezes que realmente fui ao chão atabalhoadamente devido à minha natureza de jaca distraída: destinada à queda. Sim, tenho quedas homéricas em público; vergonhosas, engraçadas e doloridas.

Por anos, a verdade é que os “capotes” metafóricos me foram muito mais custosos e doloridos do que os físicos. Sempre me achei dona da situação, pelo menos da minha situação, do meu lindo narizinho de batata. Ou seja, acreditava piamente controlar minha vida e tudo que nela acontecia. Sendo assim, perceber que minhas crenças e certezas eram, e são, falhas, ter que aceitar o fato de que estou equivocada era quase impossível... Meu Deus! Por quê? Como assim? Não pode ser... Pode?

Pois 2, pode sim. Mais do que pode, é tão certo quanto mais provável à medida que aceitamos a falta de importância de nossa existência neste Universo, o fato de que o Mundo caminha a despeito e à deriva da nossa vontade. E, sendo assim, não há qualquer motivo para que Deus se preocupe conosco, ou para que nosso querer seja mais importante do que o de uma formiga.

Bom, alguns poderão argumentar que estamos destinados a feitos incríveis. Sim. E daí? Haverá um tempo no qual todos os feitos geniais desta nossa humanidade terão sido esquecidos por todos, mesmo que em nossa época tenham sido extraordinários. Imagine-se lá, então, a quão esquecida estarei eu, em minha ordinariedade, em menos de cem anos?

Bom, o fato, é que a tal desimportância ao invés de me deprimir, veio a libertar-me. Compreendi, mesmo que ainda seja muito difícil praticar diariamente, que não valho mais do que qualquer ser vivente deste planeta, e que aceitar a minha natureza mortal e comum é um grande alívio. Erro, logo existo um pouco menos estressada.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

sem nome

 







sem nome


Amor

a dor

Cor

De que cor é a dor do fim de um grande amor?

Cinza feito a minha cidade

Como cantou Criolo

Concreta demais a realidade desta metrópole

Que nos engole

Nos mastiga

E nos cospe massa mole ao chão

Como acreditar que o amor é verdadeiro

E são

por estes tempos nos quais corremos demais

fugindo do mundo

de nós mesmos?

Qual a cor do pós-amor?

tão moderno que ainda estou por inventar

cor de burro quando foge

sem nome a cor

a dor

do amor sem nome

O Mundo É Um Moinho

Não Existe Amor em SP

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Três tempos

 


Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor… não cante

O humano coração com mais verdade…

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade

 

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

 

Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.

 

E de te amar assim muito e amiúde,

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

 

Tomara

Tomara

Que você volte depressa

Que você não se despeça

Nunca mais do meu carinho

E chore, se arrependa

E pense muito

Que é melhor se sofrer junto

Que viver feliz sozinho

 

Tomara

Que a tristeza te convença

Que a saudade não compensa

E que a ausência não dá paz

E o verdadeiro amor de quem se ama

Tece a mesma antiga trama

Que não se desfaz

 

E a coisa mais divina

Que há no mundo

É viver cada segundo

Como nunca mais…

 

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

 

poemas de Vinícius de Moraes

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

ReConhecimento

 


ReConhecimento

 

Tudo muda em constância

num paradoxo linguístico que nos assombra

quando o pensamento atina

que nosso porto-seguro

flutua

ao sabor dos ventos e das marés

Mudo em constância veloz,

pormenores

detalhes

minúcias novas e inéditas

somam-se ao todo que sou com o nascer de cada sol

Então, chega o instante diante do espelho

no qual percebo

não ser mais quem julgava ser há pouco tempo

O instante no qual

não te reconheço

 

domingo, 7 de agosto de 2022

Sem o Gordo

 


Sem o Gordo

 

O passar do tempo é inexorável para todos nós. Como o vento, erode a matéria da qual somos feitos. Ossos, pele e cabelos tornam-se mais finos e delicados, a carne rareia; e a impressão é a de que, com o passar dos anos, nos tornamos de papel fino; delicados. Apesar disso, agrada-me demais ver o tempo passar a aproveitar tudo o que ele nos traz.

Pode ser que a matéria sofra mais do que gostaríamos; pode ser. Entretanto, a alma colore-se, o espirito fortalece-se e o coração amplia-se com o exercício diário que fazemos para aproveitar o tempo que temos. Se vivemos da maneira correta ganhamos tanto com o tal passar dos anos que a morte deixa de nos assombrar a partir do momento que percebemos que a vida foi boa e, singelamente, grandiosa.

Entretanto, e apesar de reconhecer a quão importante e significativa foi a vida do senhor José Eugênio Soares para todo brasileiro, não nos foi fácil aceitar que aos 84 anos Jô Soares já tinha cumprido mui honradamente seu tempo por aqui e que já era hora dele partir.

Imagino que para ele não restava qualquer medo da morte. Jô produziu muito durante sua vida e com orgulho devido, deveria já há algum tempo estar ciente de que a missão a qual ele se destinou nessa vida fora cumprida com excelência ímpar. Jô foi grande, muito maior do que o seu tamanho amplo que bem o representou. Inteligente, engraçado, talentoso. Bom, muito bom em tudo o que fazia; fez-nos rir e pensar. Jô era gordo e genial.

Nos fará falta, a todos nós. Mesmo que ele estivesse mais ausente nos últimos anos, tê-lo por cá era uma garantia de que, apesar dos pesares, ainda havia vida criativa e inteligente entre nós em Terra Brasilis. Em tempos nos quais a estupidez tem nos parecido mais abundante e poderosa do que o normal, não ter mais Jô Soares dói mais.

Beijo gordo para ti, nosso único Gordo.

 

 

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Vandals

Assim

 


Assim

 

De nada

Por nada

Que nada

Nada enfim

Não há mais nada

aqui

De todas as coisas que nada significa e de tantos significados

que da palavra nada pode-se extrair

interessante perceber que no final de toda a jornada é dentro

do nada que se encontra tudo

enfim;

tudo o que restou no fim

No fim de tudo nos resta um gordo nada,

vida que segue por outra estrada

e tudo recomeça

assim

 

 

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Creep 2 and Arlo Parks poetry








Creep


When you were here before

Couldn't look you in the eye

You're just like an angel

Your skin makes me cry

You float like a feather

In a beautiful world

I wish I was special

You're so fuckin' special

But I'm a creep

I'm a weirdo

What the hell am I doin' here?

I don't belong here

I don't care if it hurts

I wanna have control

I want a perfect body

I want a perfect soul

I want you to notice

When I'm not around

So fuckin' special

I wish I was special

But I'm a creep

I'm a weirdo

What the hell am I doin' here?

I don't belong here

She's running out the door (run)

She's running out

She run, run, run, run,

Run...

Whatever makes you happy

Whatever you want

You're so fuckin' special

I wish I was special

But I'm a creep

I'm a weirdo

What the hell am I doin' here?

I don't belong here

I don't belong here


quarta-feira, 20 de julho de 2022

Meu Carlos

 


Não se mate

 

Carlos, sossegue, o amor

é isso que você está vendo:

hoje beija, amanhã não beija,

depois de amanhã é domingo

e segunda-feira ninguém sabe

o que será.

 

Inútil você resistir

ou mesmo suicidar-se.

Não se mate, oh não se mate,

Reserve-se todo para

as bodas que ninguém sabe

quando virão,

se é que virão.

 

O amor, Carlos, você telúrico,

a noite passou em você,

e os recalques se sublimando,

lá dentro um barulho inefável,

rezas,

vitrolas,

santos que se persignam,

anúncios do melhor sabão,

barulho que ninguém sabe

de quê, praquê.

 

Entretanto você caminha

melancólico e vertical.

Você é a palmeira, você é o grito

que ninguém ouviu no teatro

e as luzes todas se apagam.

O amor no escuro, não, no claro,

é sempre triste, meu filho, Carlos,

mas não diga nada a ninguém,

ninguém sabe nem saberá.

Não se mate


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 19 de julho de 2022

Presente de Amigo

Presente de Amigo

Coisa que amo é  Presente vindo de além mar, 
materialização das saudades de tantos anos distantes. 
Você partiu, eu parti, e nossos mundos fisicamente tornaram-se terras distantes. Mesmo assim, estou aí e você esta aqui. 
Palavras e sons numa garrafa, 
foguetes lançados através da rede chegam aqui trazendo um pouco de ti
poemas
canções
palavras
carinho que se faz desde outros mundos
Amigo,
perdoe-me pela ausência minha
tão errática perto da tua presença sensível

Está presente aqui; sempre

assim que eu puder
pego aquele avião prometido antes do vírus
e vamos nos abraçar e tirar um retrato juntos
teremos todo o tempo do mundo
ignoremos a distância
relativa
visitarei seu Porto com minha nau errante;
eu prometo 
te amo meu presente de amigo

Para o meu querido Israel
que me manda presentes lindos, sempre.


Conversa de Fim de Tarde Depois de Três Anos no Exílio 

Os garçons empilhando as cadeiras

 você me olhando e pedindo que fale

Por favor, fale, mas não escreva

Eu evitando os toques ruins dos ponteiros do relógio que anuncia a já famosa fuga de nossos corpos cada um para sua ponta da cidade

Se o nosso amor fosse revólver, eu seria o cabo e você a mira, tal como dizia a professora Jones é terrível a existência de duas retas paralelas porque elas nunca se cruzam e elas apenas se encontram no infinito

É verdade que nunca nos interessou a questão do infinito, mas os restos das ideias matemáticas, claro que sim

Eu na verdade prefiro mil vezes a sua xícara de chá ficando fria sob a mesa. Enquanto você fala sobre raízes quadradas enquanto, você fala sobre ladrões de figos, enquanto você fala sobre o tropeço da baleia.

Subitamente eu já nem sei sobre o que você fala porque a forma como o seu dente incisivo corta e suspende toda a beleza da cafetaria. Faz com que eu novamente entenda pelo sétimo dia é chegada a hora do cuco e do canto do cuco.

Portanto eu pego minha bicicleta e como e de costume você faz o meu retrato. Os cabelos todos desenhados no vento em jeito de menino que está sempre indo embora a mesma hora. E que amanhã se tudo der certo voltará a mesma hora para o mesmo amor, para a mesma mesa, para a mesma explosão. Com toda a certeza a mesma fuga porque você e eu, a gente, é feita de matéria escorregadia, isto é, manteiga, azeite, geleia e espanto."


by Matilde Campilho

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Hoje Eu Sei

Outros

 


Outros

 

Aos outros não conheço

Para além do meu mundo estão aonde meus pés

Não vão

Passam ao largo

Deste mundo que não me diz respeito

Casa onde não guardo leito,

Sem som

Sem sol

Sem sal

Nem doces nem amargos...

Os outros não têm cor,

a cor que eu sei ser tua

Mesmo por estes dias lentos

Nos quais aos poucos

aprendo que

Te (des)conheço

 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Paixão em Campo

 



Paixão em Campo

(os Macaquitos mandam abraços e bananas)

 

Voamos para a Argentina de asa quebrada; feridos. Time cheio de baixas a ponto de ser difícil imaginar que teríamos uma boa chance contra o Boca Juniors em La Bombonera. Seria uma guerra, árdua luta que dependeria muito mais de garra, alma e sorte do que da bela habilidade com a bola nos pés.

Fomos imbuídos do espirito alvinegro corintiano e assim entramos em campo. Ou seja, não importava muito a forma, jogar bonito não era a meta, muitos gols a nosso favor nem pensar. O objetivo era segurá-los e sairmos da casa de Maradona classificados; o que já seria um feito, fato consumado apenas uma vez pelo Santos Futebol Clube de Pelé.

Fomos, vimos la Bombonera abarrotada cantando como sempre, sem arrefecer, e vencemos!

Zero a zero no tempo regulamentar depois de Benedetto ter perdido um pênalti na trave direita, (e sim, eu acredito na intervenção divina e depois do penal perdido por Roger Guedes na nossa Arena, o certo, o justo, aquilo que São Jorge e São Cássio permitiriam, seria a igualdade para os dois times e nada de gols).

Disputa levada à cobrança de pênaltis, a la copa do Mundo de 1994. Não gosto disso de decidir qualquer partida assim, contudo, estava claro desde o começo que assim deveria ser. Nós tínhamos o Gigante a fechar o gol e uma vontade ímpar de vencer.

Nervos à flor da pele, coração disparado a cada cobrança e algumas unhas perdidas. Mesmo sabendo que sina de corintiano é essa, sofrer e seguir em frente já que vencer quando ninguém espera, sem muitas condições para tal, é o que nos agrada; os nervos sempre nos acompanham.

Benedetto nos ajuda mais uma vez, e a la Mundial de 1994 homenageia Baggio e bate o último pênalti do Boca na Lua. Final da sequência de penais e mais uma vez empate. Cobranças alternadas decisivas e, como de costume, o Gigante quadriplica de tamanho nas decisões. Cássio defende uma boa cobrança e então...

Então Gil caminha em direção a bola e faz seu gol. Boca desclassificado na Libertadores dentro de casa, fato que acontecera apenas em 1963.

Linda lição do destino, ver aos Hermanos mudos depois que o nosso zagueiro negro decretou com os pés a derrota do Boca Juniors. Depois de termos presenciado cenas de racismo em campo protagonizadas por tantos argentinos e outros, esse foi mesmo um desfecho bonito de se ver.

Enquanto muitos gritam macaquitos aos brasileiros em campo com a intenção de nos ofender, eu de cá dou de ombros. Somos 5 vezes Campeões do Mundo, Campeões nas últimas 3 Libertadores e temos 5 times classificados para as quartas de final no campeonato atual. Pelé foi e sempre será Pelé, negro, brasileiro e o Deus do futebol.

Gil calou a Bombonera e nós, os macaquitos, de cá continuamos a vencer e mandamos abraços e bananas aos hermanitos cheios de inveja. Nós somos macacos muito competentes, somos mesmo apaixonados por futebol e muito bons.




domingo, 26 de junho de 2022

80 vezes mais Gil










Gilberto Gil é tantos e será sempre tanto que nunca caberá em lugar algum menor do que todo o universo da canção e da nossa imaginação.
Gil é, e será, eterno.









O nosso Modo de Ser

 


O nosso Modo de Ser

 

Sou americana. Sim, todos nós que nascemos e vivemos no Continente Americano podemos assim sermos chamados como a todo e qualquer cidadão da Europa chamamos de Europeu, ou a alguém que nasceu na África de africano; não? Pois bem, que talvez assim o devesse ser eu reconheço. Contudo, não há como reconhecer-me como americana. Não senhor; pois que não.

Não sei bem se o fato se dá porque temos os Estados Unidos e toda a sua típica megalomania a apropriar-se deste adjetivo pátrio, ou se ocorre porque o que sentimos que nos identifica mais do que qualquer outra coisa é o fato de sermos latinos; e não latino-americanos. Disso sei. Sou uma mulher latina pois que assim me sinto. Apesar de não ter muita certeza do que signifique exatamente ser latina.

Falo português, que de fato é uma língua latina. Porém isso mais me segrega do que me une ao resto do mundo latino. Sou uma mistura de raças como os latinos que falam espanhol, mas isso também praticamente todo norte-americano venha a ser, não?

Tenho orgulho da mescla da qual sou feita, e a minha viralatice, vista por outros como defeito, é a minha força; o cerne de quem sou.

Quiçá, ser latino seja isso: ser um ser que fale uma língua latina e que se orgulhe de ser uma mistura muito grande de culturas e tradições. Um ser feito de retalhos que, ao invés de enfraquecerem a nossa trama, nos fortalecem. Pode ser.

Contudo, não acho que seja importante encontrar uma clara definição para o que realmente venha a ser o ser latino. Pois que algo me diz que nesse nosso mundo particular, aceitamos a quase todo mundo que nele queira entrar. Basta não ser um pinche gringo. Jajajajaja...

 

eU

 


eU

 

Não sei ainda exatamente quem sou

talvez o devesse saber

Porém meu mundo é feito muito mais de transformações

do que de certezas

E sei apenas que me conheço e reconheço

mais e mais com o passar do tempo

Percebo que com o caminhar dos anos

começo a estranhar um bocado, mais uma vez,

o passado;

a desconhecer quem fui

Sem muitas saudades do que passou

gosto mais de mim por estes dias

de metamorfose

Nos quais, por algum motivo, o qual não sei bem,

deixei de lado as certezas que comigo andavam por anos

sem sentir insegurança

ou medo

eU Sei

De novo, o novo

chegará