sábado, 15 de outubro de 2022

Olhos

 




Olhos

 

Ana fechou os olhos secos. Há tanto tempo abertos, escancarados, desidratados; esperando enxergar algo inexistente. Aquela mulher pequena fechou os olhos para melhor ver o que se passava pela alma dela; aquele lugar onde ela habita, onde poucos, muito poucos, habitam tranquilos como se o tempo não existisse. O amor nunca termina. Fica apenas escondido dos outros e de nós mesmos por detrás de um grande armário, no fundo de uma gaveta.

Ana fechou os olhos cansados para procurar no escuro de toda a existência o amor dela. Para saber e perceber se ele ainda respirava, mesmo que pouco, aos poucos. Mesmo que fraco como um fiapo; ajudado por aparelhos. O amor nunca termina. Apenas seca escondido na terra, como secos estavam os olhos da menina. Porém, basta chover, não? Pensou ela.

Ana fechou os olhos, sem muita vontade de abri-los depois. Queria apenas estar. Sem pensar, sem saber, sem querer. Queria ser um grande jatobá carregado de flores e frutos, sozinho no meio de uma planície de gramínea rasteira e montanhas ao fundo. Sem olhos de gente por perto a mulher de tronco e galhos, cheia de folhas, seria feliz a ouvir o canto dos passarinhos que por seus galhos montassem seus ninhos.

Ana abriu seus olhos, e o mundo cá fora não lhe parecia tão belo quanto toda a planície que ela concebia por detrás da retina. E pensou, tranquila, que seria melhor ser árvore grande a olhar os campos de cima. Suas flores abertas a perfumar o ar, seus frutos maduros tombando por terra, seus galhos bercinhos para os ovos de passarinhos... O amor não termina, não morre. Apenas se esconde dentro do coração da gente pelo resto da vida.

Ana fechou os olhos.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário