domingo, 29 de setembro de 2019

Coisas de Menina




Lua adversa

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…


Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles

Green Light

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Só Observando, modo Panis et Circus on.





Só Observando, modo Panis et Circus on.

Logo no começo do ano disse por cá que este 2019 seria o mais triste ano de todos os tempos para mim. Bom, talvez eu tenha sido um tanto quanto prematura no julgamento pois que ainda nos faltavam mais de 9 meses pela frente; e em 9 meses muita coisa boa se faz.  Fato.  Fato é que muita coisa boa se fez, com certeza. Contudo, o volume da desgraceira não nos deu trégua e isso deprime qualquer ser vivente.  Afinal, viver num país violento e em pé de guerra, onde se busca relativizar a gravidade da morte de pessoas no meio da rua, não poderá jamais ser chamado de algo bom.

O fato é que eu ainda tento digerir o fato de que o Senhor Jair é meu presidente. Oh Céus... Oh vida... Oh azar! E, sendo assim, além das merdas costumeiras com as quais nós havíamos nos habituado, por algum tempo ainda teremos que aguentar um blá blá blá ideológico belicoso e sem sentindo de um governo de capacidade intelectual medíocre. E para mim tudo isso foi demais. Resolvi que estou de férias intelectuais do mundo, ignorando as disputas político-ideológicas do planeta e a gastar meu tempo com filmes, séries bobas e o futebol. “Panis et Circus” esse tem sido meu lema.

Ontem foi dia de bola. Oh vida... Oh céus... Oh azar! (risos, porque rir de mim mesma ainda é algo que mui me agrada) Última chance de ver meu time, o todo poderoso Timão, a colocar a mão em mais uma Taça nesse ano.  Poucas chances de nos classificarmos depois da derrota doída em casa, vero. Mas crer sempre na possibilidade da vitória faz parte de ser corintiana, e ontem torci em silêncio e focada. O oposto do meu vizinho de ovinho (ovinho é nome carinhoso do meu apartamento por sua grandeza liliputiana) que deve ter quase infartado pelo que pude ouvir do lá de cá da parede que divide as nossas salas.

O tal menino blasfema a plenos pulmões e solta sua energia toda contra paredes e móveis, creio eu, que já não me assusto com ele que parece estar a matar alguém em dias de jogo. Ele é apenas um tanto mais espalhafatoso nos momentos da bola, o que contrasta com sua gentileza cotidiana. Pois, o poder da catarse do tal Circo é mesmo algo que não se pode subestimar.

Não vencemos. Empatamos o jogo e estamos fora do campeonato. E agora, além de ser apenas uma espectadora da vida política do meu país, me resta assistir ao futebol durante o resto do ano apenas como mera observadora da graça ou da desgraça da vida dos times alheios. Ao Corinthians e a mim, nos resta a participação como meros coadjuvantes que estão mais a observar tudo que se passa. Que venha 2020; logo!



domingo, 22 de setembro de 2019

Libre





Libre (part. Ibeyi)
Emicida

Love
Libre, libre, libre
Clap
Libre, libre, libre
Twerk
Libre, libre, libre
Noiz
Libre
Aqui somos libre

Noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz
Noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz
Aqui somos libre

É o tênis foda
Uma pá de joia foda
Reluz na coisa toda
Do jeito que incomoda
Pretos em roda
É o GPS da moda
Se o gueto acorda
O resto que se foda

É o tênis foda
Uma pá de joia foda
Reluz na coisa toda
Do jeito que incomoda
Pretos em roda
É o GPS da moda
Se o gueto acorda
O resto que se foda

Love
Libre, libre, libre
Clap
Libre, libre, libre
Twerk
Libre, libre, libre
Noiz
Libre
Aqui somos libre

Noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz
Noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz
Aqui somos libre

Stay where your dream can run
Let the bum bum bum
Shine like diamond like Sun
Explode like a thunder
Like a gun

This is our own roots
So fela, so fela, so fela
This beat is contagious
Sequela Sequela Sequela
To freedon forever like
Mandela Mandela Mandela

There is no discussion
Favela, favela, favela
There is no discussion
Favela, favela, favela
There is no discussion
Favela, favela, favela
There is no discussion
Favela, favela, favela
There is no discussion
Favela, favela, favela

Noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz
Noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz, noiz
Aqui somos libre

Love
Libre, libre, libre
Clap
Libre, libre, libre
Twerk
Libre, libre, libre
Noiz
Libre
Aqui somos libre



sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O nó




O nó


Amo

Não amo

Amo desamo

E volto a amar mais um tanto

Enfim

Amo e não amo

E sinto uma ponta de raiva quando

Percebo que esse é o fim

Amo e não amo

E sei que nessa vida tudo

Até as poéticas estórias de amor

Tem fim

Amo e desamo

E amo mais um pouco fazendo dos segundos dias

E de um dia um século sem fim

Amo e não amo

E me pergunto como posso terminar

O que não se soube começar

Amo não

Te amo

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Pessoa



Se queres te matar


Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros…

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da sua vida falada…
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas…
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além…

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres que morreste.
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia…
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos…
Se queres matar-te, mata-te…
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo…

(1926)

Poemas/ Álvaro de Campos

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A Visita




A Visita

A morte nos sorri com seus dentes tortos
agigantados
que ganham vida plena ao vencer
as carnes moles e a pele solta
deixadas pelo tempo.
Ela se alimenta de restos e sorri
tranquila.
Tantas vezes eu a vi de longe
a caminhar pelas ruas apenas à espera da
hora certa
de apresentar-se.
Dona Libitina dava-me calafrios antes do sono vir;
monstro escondido sob a cama de uma menina.
Sem pressa numa tarde ensolarada
ela se achega, visita indesejada que ao meu lado na sala de estar se senta.
Gélida e úmida, a morte é de pouca conversa e me sorri
com seus dentes tortos.
Não chego a sorrir,
contudo não sou mais uma menina e tranquila a fito à espera
da hora certa.




quinta-feira, 5 de setembro de 2019

De ócio e sardinhas

Imagem ilustrativa




De ócio e sardinhas


Prezo, secretamente, ao ócio com arroubos adolescentes. Sim, adoro passar umas boas horas, principalmente pela manhã, a não fazer absolutamente nada. Tempo perdido que jamais voltará eu sei; quase uma heresia para este mundo modernamente agitado. E isso apesar de estar sempre a fazer muita coisa desde menina, como a mim me dizia minha mãe: “Se a casa cair não te mata.”. Pois, eu realmente nunca estava lá dentro.

Ainda gosto de fazer muita coisa, de estar por aí. Contudo, para mim, abraçar o bicho preguiça e seguir com ele vez ou outra, a cada dia que passa, me parece mais saudável. Diria eu, medicinal. Porém, apesar desse meu amor pelo dolce far niente, tenho pudores a expô-lo na rua. Preguiça, para moi, é algo que se nutre dentro de casa na cama ou no sofá macio a ver programas idiotas e repetitivos que não me dizem nada. Na rua sou a falsa empreendedora voraz.  Menina duas caras.

Por isso, coisa que me causa inveja boa é ver a preguiça a mostrar a cara na rua. Adoro ver gente gastando seu tempo como se ele não andasse veloz. Invejo, muito, por exemplo, às gentes que se deixam na estação de Metrô a bater papo sem pressa alguma de chegar. Uma loucura para mim porque sinto que tenho a obrigação moral de tomar meu lugar no vagão o quanto antes e de chegar logo seja lá onde for.

Pois que hoje, apertada feito sardinha no tal Metrô em dia de greve de ônibus na cidade. Vale aqui um parênteses para mostrar àqueles que não sabem o que é a minha querida São Paulo e não imaginam quão alto foi o fator de ensardinhamento da minha pessoa; somos 12,18 milhões de habitantes numa área de 1.521 km2.  Ou seja, sem os ônibus, o mundo resolveu tomar o metrô e eu senti o que vem a ser o calor humano nos ossos. Um aperto ímpar hoje, o ar quase a faltar-me e pela janela vejo duas meninas a bater papo na plataforma da estação e, sem pressa alguma de chegar, elas riam. Como sou estupida, pensei. Porque não me deixei ficar num dos bancos à espera de que o mar de gente fosse embora. E uma inveja da liberdade das meninas me roeu fundo. Trilha sonora na minha cabeça: O Rodo Cotidiano do Rappa..

Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
É
A idéia lá
Corria solta
Subia a manga
Amarrotada social
No calor alumínio
Não tinha caneta, nem papel
E uma ideia fugia
Era o rodo cotidiano
Era o rodo cotidiano
Espaço é curto
Quase um curral
Na mochila amassada
Uma quentinha abafada
Meu (troco é pouco) 
(É quase nada)
Meu troco é pouco
É quase nada
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Não se anda
Por onde se gosta
Mas por aqui não tem jeito
Todo mundo se encosta
Ela some é lá no ralo
(De gente)
Ela é linda, mas não tem nome
É comum e é normal
Sou mais um no Brasil da Central
Da minhoca de metal
Que corta as ruas
Da minhoca de metal que toca as ruas
Como um Concord apressado
Cheio de força
Que voa, voa pesado
Que o ar
E o avião, o avião, o avião, o avião do trabalhador
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Ô ô ô ô ô my brother
Não se anda
Por onde encosta
Mas por aqui não tem jeito
Todo mundo se encosta
Ela some é lá no ralo
(De gente)
Ela é linda, mas não tem nome
É comum e é normal
Sou mais um no Brasil da Central
Da minhoca de metal
Que corta as ruas
Da minhoca de metal que toca as ruas
Como um Concord apressado
Cheio de força
Que voa, voa pesado
Que o ar
E o avião, o avião, o avião, o avião do trabalhador