terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Lágrimas no Mar

Tarde de Domingo

 


Tarde de Domingo

 

Saudade arde como um eco

e vejo que os braços do abraço são

Dela

numa tarde de domingo quente de quase verão

tudo ia muito bem

até que a minha curiosidade, sem pudores,

traiu-me o coração

Ou a razão?

Que razões me levam a tais sentimentos tão vis

Ciúmes

ciúmes agoniantes de ti

Fecho os olhos porque depois de tanto tempo aprendi

a fingir para mim mesma

que não me importa para quem andas a abrir a porta

Finjo

como finge todo e qualquer poeta

mesmo os mais pueris

que os sentimentos que andam por aqui não passam de muito barulho sem sentido

Galhofa

Troça

Um escarnio do meu bem humorado coração que mimetiza

o sentir à perfeição

Não?

o inesquecível por sua cruel natureza

aflige-me a razão

saudades

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Love Story

Bola pro mato!

 


Bola pro mato!

 

Desde os tempos em que Roma era o centro do universo, sabe-se que todos nós precisamos não apenas de pão, mas de um tanto de circo para vivermos felizes e tranquilamente ignorantes. Não que a ignorância seja uma benção, não o é. Contudo, poder esquecer-se um pouco, por uma hora e tal, das desgraceiras da vida faz um bem danado para corpo e alma. E eu, como todo ser pensante, adoro um bom espetáculo para nublar a visão de vez em quando.

Hoje temos todos os 20 times do campeonato brasileiro, o Brasileirão, a correr atrás da bola na última rodada do campeonato para a alegria das caraminholas da minha cachola. Dois jogos diante dos meus olhos, a acompanhar outros tantos de rabo de olho, eu quero é ver o mundo hoje pegar fogo. (p.s. Grêmio faz 2 X 0 no Galo e, mesmo assim, muito provavelmente amargará a Segundona em 22, ou quiçá teremos um milagre por cá?).

Se o nosso campeonato em Terra Brasilis está a léguas de distância da glamorosa e muy rica Premiere League (e de quase todos os campeonatos europeus) no que tange à qualidade da bola jogada, não fica nada atrás no que diz respeito à emoção (ok, ok, chega a ser uma heresia tentar comparar os dois campeonatos; eu sei.). Mas eita campeonato arretado esse nosso!

Hoje tem gente que pode ganhar e cair, gente que pode apenas empatar e se salvar da degola, gente que pode não ter jogado nada o ano todo e acabar na Libertadores da América, gente que pode ter sido pequenino a vida toda, sem eira nem beira, a chegar na tal Liberta pela primeira vez, oh glória! Hoje tem gente grande que pode acabar cabisbaixo com o rabo entre as pernas. Hoje tem Timão. Hoje teremos uma sacholada de gols. Hoje tudo acontece ao mesmo tempo agora. (Grêmio 3 X 0, mas olha que o Bahia está a vencer. Vai Bahea!!!!



p.s. Grêmio 3 X 2 Galo. Arerê...


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

TAMO JUNTO

Quase

 


Quase

 

 

Quase dois anos de pandemia, de dias blindados pela distância e de voz abafada por de trás de uma máscara. Nesses quase dois anos, vivemos uma vida quase normal. Entretanto, o quase, no final de todas as contas, significa que muito deixou de ser feito. Significa que pouco, de fato, foi vivido para além dos feudos que criamos para nós mesmos. Acastelados em nossas casas e apartamentos, nos escondemos e nos demos o direito a pouco. A Pequenos grupos de amigos, a alguns membros da família, a parcos beijos e abraços. Ao amor contido.


Deixamos de ver muitos, e muito. Não nos demos a liberdade de simplesmente estar em qualquer lugar. Evitamos, com grande incômodo para a alma, o contato com muitas gentes, com tantas gentes. E assim, à força, forçados pelo medo e pela prudência, o quase chegou muito próximo ao nada. Quase nada foi vivido verdadeiramente; sem limites ou medos.


Depois de tanto tempo, e tanto dizer que nos mostra que muito não sabemos, a certeza que nos resta é não ter muita certeza de como será a vida de agora para a frente. O futuro nunca foi tão incerto para a grande maioria de nós. Para mim. Para mim, que tenho a necessidade intrínseca de controlar minha vida à rédea curta, essa tal pandemia chegou muito perto do caos; do fim dos tempos. De um repente, e sem a minha permissão, o controle de minha vida, simplesmente, fugiu de mim.


Assim, depois de tudo, concluo que quase, por estes tempos, é muito, é tudo, é nada.

 

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Eu canto samba / Quando bate uma saudade



Vem quando bate uma saudade

Triste, carregado de emoção

Ou aflito quando um beijo já não arde

No reverso inevitável da paixão

Quase sempre um coração amargurado

Pelo desprezo de alguém

É tocado pelas cordas de uma viola

É assim que um samba vem

Quando um poeta se encontra

Sozinho num canto qualquer do seu mundo

Vibram acordes, surgem imagens

Soam palavras, formam-se frases

Mágoas, tudo passa com o tempo

Lágrimas são as pedras preciosas da ilusão

Quando, surge a luz da criação no pensamento

Ele trata com ternura o sofrimento

E afasta a solidão


sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A Censura Governamental no Brasil (Uma Ode à ignorância)

 





Questões educacionais

MAFALDA É REPROVADA NO ENEM

De Laerte a Ferreira Gullar, de Chico Buarque a Madonna – o que diziam as questões que o governo Bolsonaro censurou em 2019 no Exame Nacional do Ensino Médio

 

Luigi Mazza in Revista Piauí

18 nov 2021_11h49

Mafalda, personagem de quadrinhos criada pelo cartunista argentino Quino, é um sucesso conhecido no mundo inteiro e traduzido em mais de 20 países. Em conversas com a mãe, com o pai e com os amigos de escola, a menina expressa seu inconformismo diante do mundo. Numa dessas tirinhas, publicada originalmente cinquenta anos atrás, Mafalda, prestes a entrar para o jardim de infância, nota que sua mãe está apreensiva com a nova fase na vida da filha. Por isso, Mafalda tenta tranquilizá-la: “Sabe, mamãe, eu quero ir para o jardim de infância e estudar bastante. Assim, mais tarde não vou ser uma mulher frustrada e medíocre como você!” A mãe fica desolada e Mafalda sai andando, feliz. “É tão bom confortar a mãe da gente!”


 


Famoso, esse diálogo entre Mafalda e sua mãe não agradou a uma comissão montada pelo governo Bolsonaro para avaliar as questões que seriam aplicadas na versão 2019 do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio. “Gera polêmica desnecessária”, concluiu a comissão, ao justificar por que decidiu censurar a questão que trazia a personagem argentina.

 

Naquele ano, atendendo aos desejos do presidente Jair Bolsonaro, o então presidente do Inep, Marcus Vinícius Rodrigues, montou uma equipe para analisar ideologicamente as questões do exame. O grupo, composto por um procurador de Justiça, um diretor do Inep e um ex-aluno de Ricardo Vélez Rodríguez, então ministro da Educação, se reuniu ao longo de dez dias em março de 2019 e usou carimbos de “sim” e “não” para aprovar ou rejeitar questões. Ao final dos trabalhos, eles excluíram 66 questões da prova, sem consultar a equipe técnica do Inep, que já havia aprovado todos aqueles itens. Numa planilha de Excel, os censores apresentaram justificativas sucintas – e mal explicadas – para suas escolhas.

 

Como a comissão só usou três palavras, não fica claro o motivo de terem achado “polêmica” a tirinha de Mafalda. É possível deduzir que ficaram incomodados com uma interpretação feminista da história em quadrinhos. Também não se sabe mais detalhes da questão. Nenhuma das perguntas foi divulgada. Isso porque elas não foram deletadas do Banco Nacional de Itens; elas apenas não foram utilizadas na prova daquele ano. No futuro, essas questões poderão aparecer no Enem, e, por isso, precisam permanecer em sigilo.

 

A Piauí, no entanto, teve acesso a um documento até hoje não divulgado em que servidores do Inep pediram a reabilitação de parte das questões censuradas em 2019. Esse contraparecer, ainda que não revele todo o conteúdo das perguntas, permite saber os assuntos que incomodaram o governo, assim como as alegações usadas para retirá-los da prova. Os servidores responsáveis pelo Enem pediram que 38 das 66 questões fossem reabilitadas ou reconsideradas, e concordaram com a exclusão de 28 itens. O contraparecer até hoje não foi avaliado pela presidência do Inep. Com isso, as questões censuradas, embora ainda pertençam ao banco de itens, estão num limbo: não estão totalmente descartadas, mas também não podem ser utilizadas até que haja uma nova decisão.

 

Os registros de 2019 talvez ajudem a elucidar o que o presidente Jair Bolsonaro quis dizer, na última segunda-feira (15), quando afirmou que o Enem deste ano terá “a cara do governo”. A prova será aplicada nos próximos dois domingos, dias 21 e 28 de novembro, em meio a uma crise sem precedentes no Inep, que levou 37 servidores a entregarem seus cargos. Eles acusam o atual presidente do instituto, Danilo Dupas, de assédio moral, de desrespeito às decisões técnicas dos servidores e de interferência indevida no exame.

 

Assim como Mafalda, a cantora Madonna foi censurada no Enem de 2019. Uma questão da área de linguagens usava a letra da música Papa Don’t Preach para falar de gravidez na adolescência. Na música, Madonna interpreta uma adolescente que confessa para seu pai que está grávida. “Gera polêmica desnecessária”, disseram novamente os censores. Essa foi a justificativa mais usada de todas: serviu para excluir 28 questões da prova.

 

No contraparecer, os servidores responsáveis pelo Enem pediram que a questão fosse reabilitada. Explicaram que a música ajuda a explorar “as tensões associadas ao contexto” da gravidez adolescente, e que a questão utiliza os conhecimentos de língua estrangeira “como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas”. Argumentaram em vão, já que até hoje a questão continua barrada no banco de itens.

 

Outras seis questões foram censuradas por fazerem referência à ditadura militar. Uma delas citava o poema “Maio 1964”, escrito por Ferreira Gullar, que fala sobre a violência e as prisões políticas ocorridas nas semanas seguintes ao golpe. “Mas quantos amigos presos! / quantos em cárceres escuros / onde a tarde fede a urina e terror”, diz uma das estrofes. No gabarito desse item constava apenas que a poesia tratava do “contexto em que o Brasil se encontrava após o golpe militar”. A comissão de censura do Inep, ainda assim, decidiu excluir a questão do exame. A justificativa? “Descontextualização histórica do texto.”

 

A suposta “descontextualização histórica” também foi usada pelos censores para excluir uma pergunta que se baseava num poema de Paulo Leminski e tratava da ditadura. Uma outra questão, que citava uma letra de música escrita por Chico Buarque (não se sabe qual), foi censurada com a seguinte explicação: “Leitura direcionada da história / Sugere-se substituir ditadura por regime militar.” Os servidores pediram que a exclusão fosse revista.

 

Em alguns casos, os servidores – talvez sabendo que não poderiam comprar todas as brigas – aceitaram os argumentos dos censores. Na questão que falava de Ferreira Gullar, eles concordaram que o gabarito era inadequado porque, segundo eles, o poema revela o “sentimento” de Gullar, “mas não necessariamente esse texto revela o contexto brasileiro”. Também foi censurada uma questão sobre a prática de tortura pelos militares. Ao consentir com a exclusão da pergunta, os servidores comentaram: “Um instrumento que apresente itens que se refiram apenas a um lado da história se mostraria inadequado e polêmico.”

 

Não foram poucas as charges barradas na prova do Enem. Uma delas mostrava uma pessoa na igreja, se confessando para um padre. “Padre, eu pequei”, diz o personagem. O padre, sentado em frente ao computador, acessando o Facebook, responde: “Eu já sabia…” A religião não era o assunto central da questão. Na avaliação pedagógica feita pelos servidores, o item “provoca o estudante a analisar criticamente e lançar mão de outros recursos linguísticos”. Ainda assim, a comissão de censura excluiu a questão, dizendo que ela “fere o sentimento religioso”.


 


Charge censurada no Enem em 2019 — Crédito: Reprodução/Autor desconhecido

 

A mesma justificativa foi usada para censurar uma poesia de Manoel de Barros, usada em uma das questões. A partir da descrição feita pelos servidores, pode-se deduzir que se tratava do poema VII, de O Livro das Ignorãças, em que Barros faz alusão à Bíblia: “No descomeço era o verbo”, diz o primeiro verso do poema, numa referência ao Gênesis. Diante dessa heresia, os censores excluíram a questão e justificaram: “Fere sentimento religioso e a liberdade de crença.”

 

A comissão de censura do Inep usou a palavra liberdade para proteger sentimentos religiosos. Mas ignorou-a ao excluir da prova de ciências humanas uma charge da cartunista Laerte que, segundo o registro dos servidores, propunha uma “reflexão crítica sobre o reconhecimento à diversidade na sociedade contemporânea”. Ao censurar a charge, a comissão fez o seguinte comentário: “Leitura direcionada da história / Direcionamento do pensamento.” Ao excluir uma outra questão, dessa vez na prova de matemática, os censores do Inep foram além: disseram que o item “gera polêmica desnecessária em relação à ideia de casal”.

 

Não faltam exemplos exóticos. Uma outra questão, dessa vez na prova de ciências da natureza, falava sobre os cuidados com relação ao vírus HIV e afirmava que o uso de camisinha é “o meio de prevenção mais barato e eficaz” contra a Aids. “Gera polêmica desnecessária / Direcionamento do controle de saúde”, assinalou a comissão de censura do Inep. Na mesma toada, foi excluída uma questão que falava sobre a proliferação de doenças. O item explicava que a hanseníase tende a se espalhar com facilidade em presídios no Brasil, devido à superlotação e às condições precárias em que vivem os presos. “Gera polêmica desnecessária em relação ao sistema penal”, disse a comissão.

 

Nem mesmo uma questão sobre agricultura escapou à caneta dos censores. Ao se deparar com uma charge sobre a produção de milhos transgênicos, os bolsonaristas não titubearam: “Gera polêmica desnecessária em relação à produção no campo.” A questão foi excluída.

 

A comissão de censores foi fiel ao pensamento de Bolsonaro. Questões sobre escravidão, violência policial ou movimentos sociais foram parar na gaveta em 2019. Três questões que falavam de “conflitos sociais” foram excluídas do Enem com a alegação de que faziam “leitura direcionada da história” (essa justificativa foi usada para censurar 19 itens). Um item que falava sobre a abolição da escravatura e a “persistência das condições precárias dos pobres negros no Brasil” foi excluída da prova porque, segundo a comissão, houve uma “descontextualização histórica do texto”. Uma outra questão que falava sobre segurança pública mencionava, em uma das alternativas de resposta, a violência da polícia na Bahia. Por isso, também foi censurada. “Ofensivo à força policial baiana”, explicou o trio de censores.

 

Discutir feminismo foi proibido na prova. Uma questão de ciências humanas que falava sobre a Marcha das Vadias, mostrando uma foto de mulheres de sutiã durante uma manifestação do grupo, foi barrada por gerar “polêmica desnecessária”. Outra questão que debatia a maioridade penal foi excluída do exame. “Gera polêmica desnecessária a favor da não redução da maioridade penal”, escreveu a comissão de censura, alinhada com o pensamento do presidente. Naquele ano, Bolsonaro pressionava o Senado para aprovar um projeto que reduzisse a maioridade penal para crimes hediondos, uma velha bandeira de campanha.

 

Também houve cuidado com os assuntos de política externa. Uma questão da área de ciências humanas que falava sobre as relações entre o governo Donald Trump e Israel foi cortada do exame. A justificativa da comissão de censura foi a seguinte: “Leitura direcionada da história / Interferência desnecessária na soberania de outro país.” Já uma pergunta que falava sobre a Liga das Nações e a “implantação da sociedade judaica na Palestina do início do século XX” – tema relevante para uma prova de ciências humanas – foi excluída porque, segundo a comissão, fazia “leitura direcionada de geografia / história”.

 

Os censores fizeram questão de mostrar sua preocupação com a juventude. Excluíram da prova uma questão de ciências da natureza que versava sobre o canibalismo entre animais. “Induz o jovem a comportamento antissocial”, justificou a comissão de censura do Inep.

 

O governo também garantiu que não se falasse sobre armas de fogo no Enem. Na área de linguagens, um texto falava sobre uma tragédia ocorrida em 2013, na cidade de Burkesville, nos Estados Unidos: um menino de 5 anos disparou acidentalmente um fuzil que havia ganhado de presente e matou sua irmã mais nova dentro de casa. O objetivo do item, segundo os servidores, era discutir o risco existente “em ambientes domésticos em que há a possibilidade de acesso à arma por crianças”. Mas a comissão de censura do Inep não achou que o tema deveria ser apresentado aos 5,1 milhões de alunos que se inscreveram no Enem em 2019. A questão foi banida da prova sob a alegação quase onipresente nas justificativas dos censores: “polêmica desnecessária.”

 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Perder-se

 


Perder-se

Ai de mim, agora sim

Agora não

Então, de ti me perdi por fim

Que fim! Me perdi de ti e não sei voltar

Não sei o caminho da tua casa e por onde seus passos estão

Não sei o que digo

E nem se faz qualquer sentido dizer algo aqui

Penso que não

Sinto que sim

Porque o sentir continua crente como antes, apenas que agora

Sem luz nem água; minguou

E ele anda calado, sem desejo para o falar;

Cabisbaixo

Contudo, de voz baixinha, um tanto rouca, às vezes o sentir

Te diz:

Amor...



Te Perdi em mim assim

perder-se

No fim.

 

 

Je suis un Caillou

Masculinidade


Tiago Iorc

Las cartas de amor


 


Las cartas de amor

Ellos se conocieron por casualidad, que es como se suelen encontrar los grandes amores, casi siempre por casualidad, por una llamada equivocada, por un encuentro fortuito. A ellos lo que les pasó fue que él había quedado en aquel café con una persona que no vino, y claro, la vio a ella sentada en la mesa del café, radiante, así que, harto de esperar no se cortó un pelo y dijo:

—“ya que he venido hasta aquí, no puedo desaprovechar esta ocasión”.

Se acercó a la mesa y dijo:

—“¿Me permite?”

—“Por supuesto”

Esto solo suele pasar en las historias que te cuentan otros, nunca en la vida real, por lo general cuando dices:

—“Me permites”, dicen

—“De qué”

A lo mejor ella estaba esperando a alguien que tampoco vino, quién sabe, yo qué sé, habrá que inventar otra historia en la que ella le dice “De qué”, en este caso ella lo invitó a él para que se sentase, y él se sentó. Y claro, no había de qué hablar,

—“¿y qué lees?”

Lo malo fue que él no había leído nada del escritor que ella estaba leyendo, mal empezamos, mal, muy mal, por ahí no.

—“Pues bonito día”

Pero enseguida empezaron a profundizar, porque ella dijo

—“Sí, la verdad es que hace un bonito día”

Y aunque no lo hiciera. Pero poco a poco él fue venciendo esa timidez que le caracteriza y fueron profundizando. Al principio él para llamar su atención contó una que otra mentira, que era escritor, luego reconoció que nunca le habían publicado nada, pero eso vino más tarde, cuando ya se conocían más, cuando pasaron del café a la habana con coca cola.

Por entonces ya estaban descubriendo que tenían más afinidades de las que pensaban al principio, y compartían gustos cinematográficos, y por eso él le dijo

—“Oye, y si vamos a ver esta, ¿has visto La vida es bella?” y ella

—“No”,

—“Oye quedamos el fin de semana”,

—“Vale”.

Y aquel fin de semana pues, yo no sé muy bien si para sorprenderla o no, pero el caso es que él rompía a llorar en cada escena en la que aparecía el chaval pequeño, esto a ella le enterneció, yo quiero pensar que era de verdad.

Resulta que coincidían en más gustos, y también en lo musical, y le dijo:

—“Oye, este fin de semana toca Ismael Serrano”,

—“Ismael qué?”,

—“Pero a ti te gustan los cantautores?”,

—“Los de verdad me gustan”.

Pero él le convenció a ella y fueron. Cuando él empezó a cantar aquella de Vértigo, pues se atrevió a cogerle la mano.

Y poco a poco se fueron inevitablemente enamorando, pero no por esto de Ismael Serrano, ni por el Vértigo, quizá más por aquello de llorar con La vida es bella.

Una mañana él se levanta y al abrir los ojos se da cuenta de que está perdidamente enamorado de ella, y quedaron entonces en aquel café en el que se conocieron por casualidad. Los momentos importantes suelen coincidir casi siempre en los mismos sitios, no estoy muy seguro de lo que acabo de decir, pero es una buena frase. Pero fue en aquel café en donde ella le dijo:

—“Sabes, creo que me tengo que ir durante algún tiempo”,

—“Yo te iba a decir casi lo contrario, que te quedaras conmigo para toda la vida”, y ella dijo –“No te preocupes porque yo estaré esperando el día que vuelva para retomar contigo este camino que emprendimos, además, cada quince días puntualmente te mandaré una carta en la que te contaré todo lo que hecho, todo lo que siento, todo lo mucho que te echo de menos, y todo lo poco que nos falta para vernos”,

El dijo que bueno, que vale

—“Pero que si no te vas casi mejor”.

Pero se fue.

Fue entonces cuando descubrió que aquello no tenía remedio y que estaba perdidamente enamorado, que no había ningún elixir que hiciera que la olvidase, que no era cierto aquella de que un clavo saca otro clavo, que a veces es cierto que los amores a primera vista existen, bueno, ¿es que acaso hay otros?.

A los quince días puntualmente llegó la carta de ella toda llena de besos y de caricias, de te echo de menos, él lloró, y esta vez era de verdad. Y guardaba las cartas con mucho cariño encima de la mesilla. Pasaron quince días, y otros quince, y otros quince, y otros quince, y las cartas se iban acumulando. Y su vida consistía en esperar a que llegara el decimoquinto día, abrir el buzón y encontrar la carta de amor en la que ella prometía volver, esperar esa carta en la que ella le diría que volvía pronto. Y pasaron años, muchos años, y ya las cartas casi no cabían en la casa, se compró una gran caja fuerte para guardar todas las cartas, porque eran su gran tesoro, porque vivía para leer las cartas que ella le había escrito, porque ella era lo que más quería, y así pasaron creo que diez años, quince, no me acuerdo.

Y un día ella, sin saber cómo ni por qué, dejó de escribir, y al quince día él se encontró el buzón vacío, y el alma partida en dos.

Ahora solo podía vivir del recuerdo, leyendo las cartas que ella le había escrito con tanto cariño, aquellas cartas eran su mayor tesoro.

Un día él salió de casa, porque tenía que salir, y unos ladrones entraron en su casa. Al ver allí la gran caja fuerte no se lo pensaron dos veces, porque pensaron que debían esconder algún gran tesoro, grandes riquezas, realmente no era. Y se llevaron la gran caja fuerte.

Imagínate la desolación de nuestro protagonista cuando llega a su casa y se da cuenta de que le han robado lo que él más quería, lo que le hacía sentirse vivo algunas tardes de domingo cuando no sonaba el jodido teléfono, cuando releía aquellas cartas y aquellas promesas quién sabe si falsas.

Suele pasar que los ladrones son buenas personas, y este era el caso. Pero imagínate la cara de los ladrones cuando abren la caja fuerte y se encuentran montones de cartas de amor, declaraciones imposibles. El jefe de los ladrones se enfadó un poquito, pues la caja pesaba, y llevarla a la guarida no era moco de pavo.

Nuestro hombre vagaba casi moribundo por las calles de su ciudad, con la esperanza de encontrar alguna carta, a alguien que le hablara de una gran caja fuerte llena de cartas, perdido sin saber ya qué hacer.

El jefe ladrón lo que dijo es que aquellas cartas lo que había que hacer era quemarlas o tirarlas al río, lo que fuera, pero que desaparecieran de inmediato. Pero el más joven de los ladrones era más bueno, y se le ocurrió una gran idea.

Un día nuestro hombre llegó a casa después de estar buscando toda una tarde, y al abrir el buzón ¿Adivina lo que se encontró?... Una carta. Los ladrones habían decidido mandarle las cartas tal y como ella se las había mandado, puntualmente cada quince días, por riguroso orden.

Ahora él resucitaba con la esperanza de revivir aquellos momentos en los que quizá un día leería la carta en la que ella diría:

—“Pronto estaré allí”.


por Eduardo Galeano

domingo, 7 de novembro de 2021

Stranded

Cartola - Peito Vazio

Em branco

 



Em branco

 

João abriu a porta para um inconcebível corredor branco sem fim; sem janelas, sem portas, sem ruídos. Apenas o insípido e tão hermético branco.

Ele acordara zonzo, sem saber bem onde e quando estava. A respiração era pesada com o coração a bater reticentemente, e João sentia-se confuso enquanto sua mente corria em todas as possíveis direções tentando entender a realidade.

Segundos longuíssimos...

Que dia era aquele? Domingo? Estou sozinho aqui? Onde é mesmo aqui? Morri? Não morri, pensou ele. Não me sinto morto. Como é sentir-se morto? Muito diferente de estar vivo? Eu estava vivo? Quando? Quanto?

João fechou a porta azul clara para proteger-se da brancura infinita daquele mundo inócuo e assustador. No quarto havia alguma cor. Uma cama macia, mesa e cadeira de madeira, uma jarra d’água quase vazia, uma planta calada; muito seca. A um canto uma grande estante cheia de livros e discos. Ao lado um toca-discos antigo. Pela janela de vidro via-se o mar ao longe.

Não moro mais perto do mar. Lembrou-se o homem enquanto olhava pela janela. Não havia vivalma pelas ruas pelo que ele percebia. O mundo estava lindo, iluminado, morno e vazio. O mundo e o corredor não tinham som. Será que estou surdo? Pensou João. Não. Não pode ser. Por que ele estaria surdo de um repente?

Escolheu um disco aleatoriamente. Um disco de Cartola... Em alguns segundos “Peito Vazio” ecoava pelo quarto de João. O mundo estava em silêncio apenas para ouvir ao Cartola; pensou ele. E um sorriso suave fez-se no rosto dele. Esta realidade não está tão má assim. Finalmente faz-se jus a um gênio tão pouco compreendido. Seu Agenor merecia tal reverência.

João passou a chave na porta sem coragem para abri-la novamente. Escolheu um bom livro e, como se nada mais importasse, deitou-se confortavelmente na cama para ler aproveitando a luz do dia que entrava tranquila pela janela.

O mundo deixou de existir.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Ciranda da Bailarina





Clariceando

 





Alma luz

Minha alma tem o peso da luz

Tem o peso da música

Tem o peso da palavra nunca dita,

Prestes quem sabe a ser dita

Tem o peso de uma lembrança

Tem o peso de uma saudade

Tem o peso de um olhar

Pesa como pesa uma ausência

E a lágrima que não chorou

Tem o imaterial peso de uma solidão

No meio de outros

 


A lucidez perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande

que me anula como pessoa atual e comum:

é uma lucidez vazia, como explicar?

assim como um cálculo matemático perfeito

do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer

vendo claramente o vazio.

E nem entendo aquilo que entendo:

pois estou infinitamente maior que eu mesma,

e não me alcanço.

Além do que:

que faço dessa lucidez?

Sei também que esta minha lucidez

pode-se tornar o inferno humano

– já me aconteceu antes. Pois sei que

– em termos de nossa diária

e permanente acomodação

resignada à irrealidade –

essa clareza de realidade

é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus,

porque ela não me serve

para viver os dias.

Ajudai-me a de novo consistir

dos modos possíveis.

Eu consisto,

eu consisto,

amém.

 


Dá-me a tua mão

Dá-me a tua mão:

Vou agora te contar

como entrei no inexpressivo

que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei

naquilo que existe entre o número um e o número dois,

de como vi a linha de mistério e fogo,

e que é linha sub-reptícia.

 

Entre duas notas de música existe uma nota,

entre dois fatos existe um fato,

entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam

existe um intervalo de espaço,

existe um sentir que é entre o sentir

– nos interstícios da matéria primordial

está a linha de mistério e fogo

que é a respiração do mundo,


Clarice Lispector

domingo, 17 de outubro de 2021

Seguimos

 

Seguimos


À mingua sem cama sem língua

Nem uma ínfima gota da tua saliva

Solo seco

Seco eu a solo

Nesta vida sem inventos

Sigo

Tu segues

Cegos ambos à fantasia de uma vida de flores,

borboletas e andorinhas

Este inesperado encontro para além do conjunto espaço-tempo que nos continha

Foi um grande susto

Justo

Injusto, como saber o que fazer quando nada se sabia?

Não soubemos

Seguimos, não conseguimos seguir a acreditar que a vida é muito mais do que

aquilo que se pode explicar

ficas tu

e assim fico

à mingua, sem o colo das palavras faladas, cantadas e encantadas

que me faziam acreditar

que o amor não é apenas uma tola mentira

que nos agrada contar.

 

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Preta, meu Cordel





do Fogo Encantado.






Poema Enjoadinho (aos meus miúdos de coração)


Filhos... Filhos?

Melhor não tê-los!

Mas se não os temos

Como sabê-los?

Se não os temos

Que de consulta

Quanto silêncio

Como os queremos!

Banho de mar

Diz que é um porrete...

Cônjuge voa

Transpõe o espaço

Engole água

Fica salgada

Se iodifica

Depois, que boa

Que morenaço

Que a esposa fica!

Resultado: filho.

E então começa

A aporrinhação:

Cocô está branco

Cocô está preto

Bebe amoníaco

Comeu botão.

Filhos? Filhos

Melhor não tê-los

Noites de insônia

Cãs prematuras

Prantos convulsos

Meu Deus, salvai-o!

Filhos são o demo

Melhor não tê-los...

Mas se não os temos

Como sabê-los?

Como saber

Que macieza

Nos seus cabelos

Que cheiro morno

Na sua carne

Que gosto doce

Na sua boca!

Chupam gilete

Bebem xampu

Ateiam fogo

No quarteirão

Porém, que coisa

Que coisa louca

Que coisa linda

Que os filhos são!


Ao tempo

 


Ao tempo

Devora-me, tempo

Pele, ossos e nervos

Levando cotidianamente um pouco de mim

Eu, que me deixo levar de bom grado

Sem medos,

Sem termos,

De braços dados a si

Caminho,

Construo com suas entranhas meu mundo enquanto

Devora-me,

e de si alimento-me engordando pensamentos

ganhando peso na terra

ganhando cores meus sonhos

Estamos ambos a caminho do fim, sem pressa, a ouvir as águas deste riacho de pedrinhas coloridas,

um tanto preguiçoso,

muito claro.

Seguir.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Change

A Vida

 


A Vida

Passaram-se muitos anos como se fossem poucos, como se fossem um par de dias. E o tempo passado importa tão pouco para as horas que agora se arrastam. Relativo é o tempo, e desimportante a vida dos homens sobre a terra, tanto quanto miúda é a minha. Enfileiro as letras e as palavras como Chronos enfileira horas e dias, displicentemente. Não sei se em prosa ou poesia, escrevo as ideias perdidas pela cachola que aqui encontram-se para comentar esta minha vidinha simples, simplesmente minha.

Depois de tanto tempo, todo o tempo que já tenho guardado nos bolsos das calças, sei que pouco importa o que cada um de nós faz para além do nosso quintal porque a vida que levamos é nossa, apenas nossa, e daqueles que guardamos no meio dos abraços colados ao peito. E quase nada me importa o que as pessoas fazem para além deste meu quintal onde cultivo flores, letras, abelhas, a luz do sol, passarinhos sem gaiolas e meus amores novos e antigos. Que me importa o que pensam as pessoas importantes desse mundo? Uma titica de galinha, diria minha avó. Digo eu.

Quanto tempo tenho eu? Não sei; isso nunca se sabe. Apenas sei como quero usar o tempo que ainda tenho. Rir é uma prioridade, ensinar um prazer, beber vinho, água, cerveja e café vícios que levarei para sempre comigo, chocolate e sorvete são e serão uma necessidade. A família de sangue e a da vida quero sempre levar comigo pois neles tenho todo o conforto e o abrigo que necessito, viajar faz falta como nos falta o ar com a máscara no rosto; ver o mundo areja a alma. A velhice aproxima-se desavergonhadamente, contudo, já não tenho mais medo dela como tinha antigamente. E isso é muito bom. Bora viver com gosto com os olhos e o nariz mirando para frente!

 

Agora

 


José

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

 

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

 

E agora, José?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?

 

Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

 

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!

 

Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade. Meu Carlos, e agora? Não demora...

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Encanto

 


Encanto

 

Encanto, meu encanto

Espanto sem pranto

Teu pranto, meu pranto

Recanto

Canto

(Re)encanto

Recato

Ato

Meu encanto, desencanto

Teu encanto

Tanto

E damos outra volta na ciranda dos nossos encantos tamanhos

Me encanta, Eu te canto

Meu amor

domingo, 19 de setembro de 2021

Banda Seu Chico - Caçada / Não Sonho Mais

"Butterflies"

A poesia paulistana


 


A poesia paulistana

 

Pela segunda vez vejo o pintor holandês a caminhar no meio-fio

Ele segue de pé, perdido,

objetos indistintos nas mãos e o olhar infinito

Assim olhou-me Van Gogh com seus olhos claros vidrados

rosto vincado e barba cor de girassóis

O vejo

Como vejo, com o passar dos dias, a multiplicação

de casas pelos gramados nos canteiros na minha cidade

casas de lona

casas de papel

casas que não têm teto e que não tem nada

casas que em nada são engraçadas

Uma senhora magra varre, todos os dias, um pedaço de terra

e eu a observo enquanto aguardo o semáforo abrir

Indiscreta

pela janela do carro,  sem pedir licença, invado a sala de estar dela

O que ela chama de seu nessa vida me assombra

me assombra pela minha covarde apatia cotidiana e coletiva

Numa destas casas um balanço pequeno feito de delicadezas

faz o meu coração apertar e sorrir ao mesmo tempo

Vida agridoce essa do brasileiro

vida pequenina

Van Gogh, na São Paulo poética e suja que eu chamo de minha,

caminha sem destino

sozinho

 

 

 

sábado, 11 de setembro de 2021

REI DA MAMATA


Dizem por aí que eu sou o rei da mamata

Caçador de patrocínios, comunista, esquerdopata

Dizem também que de arte ninguém mais precisa

Quando o mundo acabar por favor alguém me avisa

 

Dizem que eu mamo nas tetinhas da cultura

Quando o artista canta, o idiota nem murmura

Bando de hipócritas lambendo a sandália

De gente rica, inculta, ignorante, uma gentalha

 

Eu podia estar roubando

Eu podia estar matando

Eu podia ser o líder da milícia na chacina

Eu podia estar ganhando até um dólar por vacina

Mas eu sigo trabalhando

E compondo e cantando

Ajudando a erguer uma nação desta latrina

A cumprir mui sinceramente a minha sina

 

Você por sua vez se orgulhando da bravata

De ser apoiador de um imbecil sociopata

Requenguela, mequetrefe

Cada qual tem a cultura que merece

Ordinário, mequetrefe

Cada um tem a cultura que merece


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Faroeste Caboclo


Saudades de Renato e da sua capacidade de mostrar a nossa alma através da música. Seria muito bom tê-lo hoje, aqui, a cantar um novo Faroeste Cabloco; muito mais sombrio e violento. A cara do Brasil.

FAROESTE CABLOCO

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo

Era o que todos diziam quando ele se perdeu

Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda

Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu

Quando criança só pensava em ser bandido

Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu

Era o terror da sertania onde morava

E na escola até o professor com ele aprendeu

Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro

Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar

Sentia mesmo que era mesmo diferente

Sentia que aquilo ali não era o seu lugar

Ele queria sair para ver o mar

E as coisas que ele via na televisão

Juntou dinheiro para poder viajar

De escolha própria, escolheu a solidão

Comia todas as menininhas da cidade

De tanto brincar de médico, aos doze era professor

Aos quinze, foi mandado pro o reformatório

Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror

Não entendia como a vida funcionava

Discriminação por causa da sua classe e sua cor

Ficou cansado de tentar achar resposta

E comprou uma passagem, foi direto a Salvador

E lá chegando foi tomar um cafezinho

E encontrou um boiadeiro com quem foi falar

E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem

Mas João foi lhe salvar

Dizia ele "estou indo pra Brasília

Neste país lugar melhor não há

'Tô precisando visitar a minha filha

Eu fico aqui e você vai no meu lugar"

E João aceitou sua proposta

E num ônibus entrou no Planalto Central

Ele ficou bestificado com a cidade

Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal

Meu Deus, mas que cidade linda

No Ano Novo eu começo a trabalhar

Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro

Ganhava cem mil por mês em Taguatinga

Na sexta-feira ia pra zona da cidade

Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador

E conhecia muita gente interessante

Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia

E muitas coisas trazia de lá

Seu nome era Pablo e ele dizia

Que um negócio ele ia começar

E o Santo Cristo até a morte trabalhava

Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar

E ouvia às sete horas o noticiário

Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar

Mas ele não queria mais conversa

E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar

Elaborou mais uma vez seu plano santo

E sem ser crucificado, a plantação foi começar

Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade

"Tem bagulho bom ai!"

E João de Santo Cristo ficou rico

E acabou com todos os traficantes dali

Fez amigos, frequentava a Asa Norte

E ia pra festa de rock, pra se libertar

Mas de repente Sob uma má influência dos boyzinho da cidade

Começou a roubar

Já no primeiro roubo ele dançou

E pro inferno ele foi pela primeira vez

Violência e estupro do seu corpo

Vocês vão ver, eu vou pegar vocês

Agora o Santo Cristo era bandido

Destemido e temido no Distrito Federal

Não tinha nenhum medo de polícia

Capitão ou traficante, playboy ou general

Foi quando conheceu uma menina

E de todos os seus pecados ele se arrependeu

Maria Lúcia era uma menina linda

E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu

Ele dizia que queria se casar

E carpinteiro ele voltou a ser

Maria Lúcia pra sempre vou te amar

E um filho com você eu quero ter

O tempo passa e um dia vem na porta

Um senhor de alta classe com dinheiro na mão

E ele faz uma proposta indecorosa

E diz que espera uma resposta, uma resposta do João

Não boto bomba em banca de jornal

Nem em colégio de criança isso eu não faço não

E não protejo general de dez estrelas

Que fica atrás da mesa com o cu na mão

E é melhor senhor sair da minha casa

Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião"

Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse

"Você perdeu sua vida, meu irmão"

"Você perdeu a sua vida meu irmão

Você perdeu a sua vida meu irmão

Essas palavras vão entrar no coração

Eu vou sofrer as consequências como um cão"

Não é que o Santo Cristo estava certo

Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar

Se embebedou e no meio da bebedeira

Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro

E também tinha dinheiro e queria se armar

Pablo trazia o contrabando da Bolívia

E Santo Cristo revendia em Planaltina

Mas acontece que um tal de Jeremias

Traficante de renome, apareceu por lá

Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo

E decidiu que, com João ele ia acabar

Mas Pablo trouxe uma Winchester-22

E Santo Cristo já sabia atirar

E decidiu usar a arma só depois

Que Jeremias começasse a brigar

Jeremias, maconheiro sem-vergonha

Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar

Desvirginava mocinhas inocentes

Se dizia que era crente mas não sabia rezar

E Santo Cristo há muito não ia pra casa

E a saudade começou a apertar

Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia

Já 'tá em tempo de a gente se casar

Chegando em casa então ele chorou

E pro inferno ele foi pela segunda vez

Com Maria Lúcia Jeremias se casou

E um filho nela ele fez

Santo Cristo era só ódio por dentro

E então o Jeremias pra um duelo ele chamou

Amanhã às duas horas na Ceilândia

Em frente ao Lote 14, é pra lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas

Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor

E mato também Maria Lúcia

Aquela menina bosal pra quem jurei o meu amor

E o Santo Cristo não sabia o que fazer

Quando viu o repórter da televisão

Que deu notícia do duelo na TV

Dizendo a hora e o local e a razão

No sábado então, às duas horas

Todo o povo sem demora foi lá só para assistir

Um homem que atirava pelas costas

E acertou o Santo Cristo, começou a sorrir

Sentindo o sangue na garganta

João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir

E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e

A gente da TV que filmava tudo ali

E se lembrou de quando era uma criança

E de tudo o que vivera até ali

E decidiu entrar de vez naquela dança

Se a via-crucis virou circo, estou aqui

E nisso o sol cegou seus olhos

E então Maria Lúcia ele reconheceu

Ela trazia a Winchester-22

A arma que seu primo Pablo lhe deu

Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é

E não atiro pelas costas não

Olha pra cá filha da puta, sem-vergonha

Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão

E Santo Cristo com a Winchester-22

Deu cinco tiros no bandido traidor

Maria Lúcia se arrependeu depois

E morreu junto com João, seu protetor

E o povo declarava que João de Santo Cristo

Era santo porque sabia morrer

E a alta burguesia da cidade

Não acreditou na história que eles viram na TV

E João não conseguiu o que queria

Quando veio pra Brasília, com o diabo ter

Ele queria era falar pro presidente

Pra ajudar toda essa gente que só faz

Sofrer


quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Blahhhhhhh

 


Blahhhhhhh

Já quisemos tanto. Quisemos mudar o mundo, revolucionar os costumes, sermos melhores do que foram os nossos pais. E, como todo ser humano que já pisou neste planeta, nos pensávamos eternos; “forever young, I want to be forever young...” cantei tantas vezes. Bem, não somos muito diferentes dos nosso pais. Não fomos. Somos apenas um pouco mais do mesmo, quiçá, com um toque tech a mais. Nada mais. Talvez piores, materialistas rasos sem grandes paixões. Seres profundamente egoístas com dinheiro no banco enquanto tantos morrem de fome.

Temos mais dinheiro do que nossos pais, ok. E daí?

Pois 1 que a tal revolução não fizemos, não senhor. E hoje, bem mais preguiçosos e cansados do que aos 20, queremos apenas sossego; quem diria. Verdade seja dita, houve mudanças. Contudo, eu que aos 15 preocupava-me com a situação das baleias e com a volta da democracia e da igualdade no meu país, sinto-me desolada. Desapontada comigo mesma e com os meus pares. Falhamos. Eu esperava muito mais de nossa geração.

Esperava tanto mais do mundo e do meu país. Acreditava que cuidaríamos bem da natureza, que à esta altura compreenderíamos melhor e mais sinceramente as diferenças entre as pessoas e os povos, achava que caminhávamos para um mundo onde a abundância seria melhor compartilhada. Pois 2, eu era jovem e tola. Muito tola.

Costumo dizer que Lula, o senhor Luiz Inácio da Silva, em seu primeiro mandato, foi o último a fazer-me de palhaça nesta terra. Nunca me esquecerei da cara lavada dele em pronunciamento na TV a dizer que nada sabia sobre a corrupção e os desvios em seu governo. Palhaço... palhaçada, pensei. Raposa covarde! E me perguntava se alguém poderia crer numa farsa tão absurda como aquela.

Pois 3, muitos acreditaram. Muitos ainda creem na inocência desse senhor que de inocente não tem absolutamente nada. Entretanto, e infelizmente, a crença na inocência do seu Inácio não vem a ser o fato mais absurdo e nocivo em Terra Brasilis. Não.

Não há, e muito provavelmente não haverá jamais, um absurdo maior e um dano mais grave do que termos eleito o seu Jair como presidente do nosso país. Difícil entender como pudemos, e ainda podemos, crer que um calhorda como esse senhor pudesse fazer algo de bom a alguém. Não pode.

Nada de bom pôde ou poderá sair da mente turva e egoísta do Sr. Bolsonaro e de sua quadrilha familiar. Já que são um bando de calhordas de longa tradição na canalhice.

Pois 4, apesar de saber que seu Inácio e seu partido também flertaram acintosamente com o desejo de ter todo o poder possível em suas mãos, nunca estivemos tão próximos de um retorno de um governo ditatorial como agora. Nunca vimos uma demonstração tão clara de um governante que não consegue pensar o mundo para além de seu umbigo. Seu Jair quer perpetuar seu poder no Brasil e para tal arma-se.

Arma-se com parte do exército brasileiro, com boa parte da polícia militar e com uma horda estúpida e irracional que brada pela volta da ditadura.

Jamais imaginei que veria algo assim por cá. Pois, cá estamos, perigosamente flertando com um país irracional e violento. Um país que me dá ânsia de vômito...Blahhhhhhhh.

Aguardemos o 7 de setembro...

 

Obs.: para os apoiadores do atual presidente vai aqui a definição clara do que vem a ser um calhorda.

ca·lhor·da

(origem duvidosa)

substantivo de dois gêneros

1. [Pejorativo]  Pessoa desprezível. = CANALHA, PATIFE, PULHA

adjetivo de dois gêneros

2. [Pejorativo] Que é desprezível ou de baixo nível moral (ex.:  ato calhorda).

"calhorda", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Breves

 



Breves


A água do chuveiro escorre lentamente pelas costas

a romper as leis da física que dizem respeito ao espaço-tempo

desrespeitando a gravidade.

Minutos gordos e preguiçosos trazem consigo milhares de segundos

dormidos.

Fecho os olhos enquanto

a água morna leva consigo todo o cansaço desta vida inteira.

Penso na importância de toda a minha existência desimportante,

breve,

pequena.

A importância de nossa existência não me parece relativa nesse momento...

a sei nula sentindo a água morna nas costas;

insignificante.

Uma pedra tem uma existência maior e mais real do que todos aqueles

pelos quais irei chorar a perda.

Estaremos todos mortos em um par de centenas de anos, porém, imóveis e tranquilas,

as pedras organizadas por mim no jardim ainda estarão por aqui.

A ilusão que construímos sobre o significado da humanidade é curiosa e interessante;

nos achamos insubstituíveis

quando na verdade

somos completamente dispensáveis nesse Mundo.