domingo, 7 de novembro de 2021

Em branco

 



Em branco

 

João abriu a porta para um inconcebível corredor branco sem fim; sem janelas, sem portas, sem ruídos. Apenas o insípido e tão hermético branco.

Ele acordara zonzo, sem saber bem onde e quando estava. A respiração era pesada com o coração a bater reticentemente, e João sentia-se confuso enquanto sua mente corria em todas as possíveis direções tentando entender a realidade.

Segundos longuíssimos...

Que dia era aquele? Domingo? Estou sozinho aqui? Onde é mesmo aqui? Morri? Não morri, pensou ele. Não me sinto morto. Como é sentir-se morto? Muito diferente de estar vivo? Eu estava vivo? Quando? Quanto?

João fechou a porta azul clara para proteger-se da brancura infinita daquele mundo inócuo e assustador. No quarto havia alguma cor. Uma cama macia, mesa e cadeira de madeira, uma jarra d’água quase vazia, uma planta calada; muito seca. A um canto uma grande estante cheia de livros e discos. Ao lado um toca-discos antigo. Pela janela de vidro via-se o mar ao longe.

Não moro mais perto do mar. Lembrou-se o homem enquanto olhava pela janela. Não havia vivalma pelas ruas pelo que ele percebia. O mundo estava lindo, iluminado, morno e vazio. O mundo e o corredor não tinham som. Será que estou surdo? Pensou João. Não. Não pode ser. Por que ele estaria surdo de um repente?

Escolheu um disco aleatoriamente. Um disco de Cartola... Em alguns segundos “Peito Vazio” ecoava pelo quarto de João. O mundo estava em silêncio apenas para ouvir ao Cartola; pensou ele. E um sorriso suave fez-se no rosto dele. Esta realidade não está tão má assim. Finalmente faz-se jus a um gênio tão pouco compreendido. Seu Agenor merecia tal reverência.

João passou a chave na porta sem coragem para abri-la novamente. Escolheu um bom livro e, como se nada mais importasse, deitou-se confortavelmente na cama para ler aproveitando a luz do dia que entrava tranquila pela janela.

O mundo deixou de existir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário