quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O presente


Queria um mundo onde a Aspirina pudesse curar todas as dores
sem importar por que parte do corpo a tal resolvesse caminhar.
Queria um mundo que pudesse ser retratado fielmente num mapa,
mas isso não há.
Mapas explicam bairros, mostram-nos cidades, são capazes de conter neles países inteiros.
Mas não há mapa a me dizer para onde eu vou,
a mostrar-me que caminho é este que trilho de olhos arregalados.
Assustados.
Queria um mundo de palavras que significassem o que são,
e não haveria aquilo que deveríamos ter dito e que não o fizemos
porque a língua ficou presa dentro da boca cerrada, pelos dentes encarcerada.
Queria um mundo onde os homens não se escondessem deles mesmos
por medo de serem quem eles são por dentro, do avesso.
Eu queria um mundo.



terça-feira, 29 de outubro de 2013

Olhos


Por que existem estes olhos que não sabem ver?
Que mesmo abertos e tão certos de si
enganam-se turvados pelos sentimentos,
pelos pensamentos,
e não veem o mundo como ele deve ser;
como ele é.
Para que me servem estes olhos que servem
apenas para ver o que imagina a alma ?
o desejo
o abraço
o beijo
o laço
Abertos ou fechados eles se enganam, me enganam,
e sonham noite e dia com a beleza que deveria haver na vida...
com a tua chegada,
com a distância sendo vencida com uma passada,
com o sorriso que, assustado, se escondeu.
Com dias sem lágrimas.




domingo, 27 de outubro de 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Silêncio


De tanto que era, de repente,
o todo tornou-se
pouco.
Transbordou...
 ...Secou.
Depois do estar cheio, ficou o nada cá dentro.
E do repleto fez-se o vazio completo,
quando depois de tanto gritar,
sem aviso, ficou mudo.
Acabou.


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Bem-Me-Leve



A vida sem música é inconcebível. E há canções que mais que nos acalentarem, nos traduzem e nos tornam parte de um mundo sonoro e amplo. Assim, não nos sentimos tão sozinhos, e nada originais. Que bom!

Bem-me-leve
Apanhador Só

eu pensava ter uma bicicleta
e pedalar até a tua rua
dizer que ainda sou tua

eu queria ser um avião bem leve
pra sobrevoar o teu terraço
e tapar teu sol

fazer tu perceber
que sem eu aí não tem
ninguém pra te aquecer

perfume atrás da orelha
vestido bem vestido
um sorriso no rosto
um punhado de amigos
que é pra,
se acaso eu te encontrar um dia,
tu ver como eu ainda tô bonita

ou mais
ainda mais ainda
ou mais
ainda mais bonita


sábado, 19 de outubro de 2013

Vinicius de Moraes, 100 anos de um homem eterno


Chega de Saudade

Vai, minha tristeza, e diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe, numa prece, que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade, a realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas, se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim

Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O meu Vinicius de Moraes


Nesta semana, mais precisamente no dia 19 de Outubro, Vinicius de Moraes completaria 100 anos de vida, e tal idade, nos dias de hoje, já não nos parece tanto assim, pois não? Fato que me deixa ainda mais magoada com a partida dele, um tanto prematuramente para mim, no dia 9 de julho de 1980. Será que Deus não poderia ter sido mais generoso conosco e ter deixado o poeta mais tempo entre nós? “Que maçada!” diria o português. Pois que eu, ainda muito menina, já era grande fã no final dos anos 70 e fiquei para lá de chateada com a morte do homem que fizera poesia que me fazia rir e cantar.

Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há.

Apaixonei-me por ele com a Arca de Noé, poesia para crianças e, ainda hoje, acho demasiado injusto isso dele ter se ido para versar no céu. Numa época em que ainda não havia a chatice do politicamente correto e a falta de educação dos dias de hoje, Vinicius, de uísque à mão e cigarro entre os dedos, foi a Xuxa da minha geração. Eita infância boa, não? Lembro-me ainda da fascinação de ouvir pela primeira vez o poema A Casa e tentar, durante toda a infância, imaginar como seria a tal moradia sem chão ou paredes e que, apesar disso, tinha sido feita com muito esmero na rua dos bobos, número zero. Agora, ouvindo novamente o poema feito em canção, aperta-me o peito, inundam-se os olhos. Que saudade da infância com Vinicius de Moraes...

Lembro-me também que diante de meus olhos pousou-se o Soneto de Separação no primeiro semestre da Faculdade de Letras. Minha primeira análise de uma poesia a sério e “valendo nota” donde deveriam sair cinco laudas. Lembro-me que eu só pensava: “Deus meu, como escrever cinco laudas a partir de 14 versos, distribuídos em 2 quadras e 2 tercetos com os tais dos abba/abba/cdc/cdc?”. Felizmente as tais laudas saíram, e mais felizmente ainda, hoje sei que poesia não deve ser vista como uma fórmula ou analisada como se fosse uma expressão da matemática, ou coisa lá da gramática. Coisa que Vinicius, que sempre deu de ombros aos louros e às formalidades bem o sabia; poesia é feita para encantar-nos, para ser sentida e para significar muito, muito mesmo, em pouquíssimas linhas.

Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Ainda hoje admiro a Vinicius não apenas por sua obra em si, mas também pela sua capacidade de tornar algo normalmente distante e feito apenas para poucos, como o é a poesia, em algo que encantou a todos nós, dos mais miudinhos como eu aos seis ou sete anos de idade com a sua Arca poética ou ao Mundo inteiro dos adultos com a tal Garota que passava pela orla de Ipanema. E tenho certeza que a música de meu país deve a ele muito de toda a qualidade e beleza que encontramos nas letras que dão voz a música brasileira. Vinicius foi grande.

Sei que por muitos motivos muitos creem que o meu Vinicius não se compara aos outros senhores da poesia nativa - os grandes poetas brasileiros, e que um Bandeira, um Melo Neto e um Drummond têm um peso muito maior na história da nossa literatura; eu sei. Entretanto eu sei, também, que ele foi capaz de escrever versos simples, singelos, tão fortes e verdadeiros, tão possíveis de serem sentidos e compreendidos que ficaram imediatamente, e para todo o sempre, no coração de toda a gente que, um dia, colocou seus olhos neles. Um viva pro Vinicius: Viva!

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Vinícius de Moraes (e seus 100 anos)




Soneto da Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Vinícius de Moraes (19.10.1913)


domingo, 13 de outubro de 2013

Desacostumar-se


Noutro dia li algo que me trouxe um desconforto diferente, novo. Numa placa no meio de uma praça em Montevideo lia-se: “Me estoy felizmente desacostumbrando de mí.”. Pensei o quão bom seria se, por apenas alguns dias de vez em quando, pudéssemos nos esquecer de quem somos; esquecer tudo que nos incomoda, estorva. Sei que este não é o significado da frase em si, mas foi o que me veio à mente.

Veio-me porque a tal frase remeteu-me a algo dito há quase um ano atrás por alguém muito importante para. Disse-me, um tanto indiretamente, que meu problema era querer encontrar alguém nesta vida que me salvasse de mim mesma. E dá-me uma raiva ainda lembrar-me disso como se fora dito ontem. Por que eu não me esqueço das coisas? Por que, simplesmente, não as deixo para trás? Eu seria tão mais feliz se tivesse esta capacidade camaleônica de transformar-me de maneira mais rápida. Seria tão bom acostumar-me com uma nova versão de mim mesma.

Pois, um ano depois ainda custa-me caro aguentar-me como sou: uma composição irônica de sonhadora-teimosa com direito a veia dramática e etecetera e tal. E a ideia de movimento que a frase da praça preconiza parece-me à tábua de minha salvação particular. Quão bom seria eu desacostumar-me de quem sou e, por isso, ser capaz de ser outra e poder, verdadeiramente, mudar. Seria realmente muito bom.

Isso não quer dizer que não haja nenhuma mudança, claro que não. Ela existe constante e determinada, mas não profunda o bastante para tornar-me outra; como não ocorre com quase ninguém, penso eu. Mudamos na velocidade de lesmas preguiçosas, e uma vida constitui pouco tempo para muita coisa. Isso também não quer dizer que eu arrependa-me de tudo que fiz na vida, claro que não 2. Não me arrependo. E, pelo contrário, como boa teimosa, arrependo-me daquilo que não consegui fazer e continuo, feito mula empacada, a acreditar que ainda tenho razão de querer todo o meu querer.


A verdade é que a vida como eu a sinto e imagino, por vezes, está um tanto longe do real, e eu gostaria muito de ser uma pessoa mais objetiva; realista. Talvez nem todo o tempo desta vida tenha a capacidade de mudar-me tanto assim. Talvez. Contudo, imaginar-me outra é algo no mínimo divertido, não? Por isso, sorrio todas as vezes que penso na tal frase – “Me estoy felizmente desacostumbrando de mí.”.



sábado, 12 de outubro de 2013

Lindo



Nous n'avons pas besoin de paroles pour dire tout.

Uma nova paixão sonora



Nescafé
Apanhador Só

Eu cuspo nescafé e você chora leite
De manhã
Amarro o meu sapato
E tu veste o sutiã
Cadê o nosso amor? me diz onde
Vou correndo pegar o bonde
Que linha liga o teu coração ao meu?
Almoço minha angústia
E tu ri com a cara na tv
Eu tomo um conhaque
E tu fala em ter bebê
Remenda o meu sorriso e, sorrindo,
Me costura mais uma ruga
Desfaz a casa que casa com o meu botão
Me esqueço em pensamentos
E tu cobra um pouco de colchão
Respondo qualquer coisa
E tu solta a minha mão
Coloca teu calor na estante
Vem, se deita tranquila e dorme
Em que sonho eu sonho meu sonho igual ao teu?
Que linha liga o teu coração ao meu?
Em que tronco encontro talhado o meu nome e o teu?
Em que sonho eu sonho o meu sonho igual ao teu?
O meu coração ao teu, teu nome talhado e o meu

Meu sonho, meu sonho


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

La poca calma de mi alma...


Manifiesto

Control Machete

Verse 1: control machete (fermín iv & pato)
Fermín:
Manifiesto y pinto lo que siento
A un alto ritmo si es que viene lento
Escucho y pienso todo desde adentro
Y no muero por un nada simplemente me violento
Pato:
Cuando vengo sé que alguien me llama
De generación viene fuerte y no se calla
Porque no te importa esa falsa propaganda
No miro hacia atrás todo da vueltas se derrama
Porque el movimiento sigo y lo reviento
Aún seco el viento con lo que presiento
Influyo mucho en pensamientos tuyos
No me esperan porque lo persuado o reúllo
Porque cuando siento, siento en las entrañas
Siempre que el alcohol no se combina con las llamas
Porque no te toca esa falsa historia la castigo
Al frente y no rodeando la muralla

Verse 2: actitud maría marta
Que a mí me gusta lo que creo que es mejor para mí desconociendo la importancia de no tener que omitir
Es mi silencio que me asesina ahí mismo alto termina
Con mis fuerzas dispares de la energía
Me afecta la nada que hay
En mi espera en mi descansar
Y es mi deber el tener que saber que
Colaboraría si derrumbaría la pared
Que pide al estar de un simple estado
En el que por tanto tiempo ya he habitado
Donde acercarse me hizo costumbre
Y la negra oscuridad conmigo se funde
No quiero alardear más de mi serenidad
Y relajarme en lo tranquilo que es el hecho de observar
O escuchar, masticar, mutilar y frenar
Y relajarme en lo tranquilo que es el hecho de observar

Chorus 1: x4
Manifiesto (la poca calma de mi alma)

Chorus 2: x4
Manifiesto, manifiesto
(y pinto lo que siento)

Verse 3: control machete
Fermín iv
Manifiesto, gritando que traigo dentro
Lo voy a sacar (lara lara)
En conformidad, traduzco lo que sueño
Lo que imagino, lo vuelvo presente
Sin saber que lo que es mío
Aparece desvanece y empieza a mecerse
Conduce los sentidos por fin
Así converge a la realidad, emerge
Todas las preguntas que me llegan a la mente
Las voy a soltar directo con fuerza
Directo cortante, no voy a callar
Y no pienso porque vengo gritando no entiendes güey

Verse 4: actitud maría marta
Con fuerza y paciencia y tomando conciencia
Buscando encontrando entre pato la ausencia
Que mi vida se ha tornado se ha vuelto y se ha convertido
No empaco en cualquier tú tampoco en el mío
Estoy jodida, podrida y demasiado enviciada
Sin droga estoy drogada, sin alcohol emborrachada
Mi vida se ha tornado y no se entiende
Y hasta mi propia madre ni siquiera me comprende
Es que tu cara no me mira, tus ojos no me conocen
Así igual me manifiesto con serenidad sin poses
Digo lo que creo y siempre trato de no decir nada
Palabras sin ningún sentido ya se han ido
Diciendo que siempre la paso cantando canciones sin una armonía
Prisión en el día viviendo sin nada
Buscando en la guía pidiendo pasajes

Me la paso buscando...


terça-feira, 8 de outubro de 2013

incômodo


Hoje sinto grande inveja dos seres pequenos,
simples,
miúdos em seu existir tanto na forma quanto no conteúdo.
Seres com poucos quereres e cheios de paz
por sua capacidade de simplesmente serem quem são
sem decepções,
contradições,
segredos. Sem o tormento.
Queria ser inseto de vida curta e objetiva,
sem tempo para tanto pensar em suas parcas horas de existência e,
portanto,
completamente ignorante de sua miudeza.
Ser pássaro,
lagarto,
o gato que preguiçoso passa todas as tarde de inverno
a banhar-se de sol no telhado.
Um de meus vizinhos, alguém sem nome para mim e que morava
no edifício em frente,
                                    a apenas alguns passo daqui de casa,

jogou-se
do décimo
quarto
andar
há pouco mais de uma semana; e seu sangue ainda vivo depois dele virou poça que lentamente escorreu pelo chão.

Cansado da vida de gente, ele quis ser pássaro ou um inseto qualquer;
mas pássaros e qualquer inseto que se conheça
não se jogam de janelas, sejam elas altas ou baixas demais.
Homens não são pássaros ou insetos,
e o meu vizinho, hoje, causa-me admiração e medo
com sua covarde-coragem
de tentar voar.





domingo, 6 de outubro de 2013

A Impressão Final

Centro de Montevidéu, Outubro 2013.

O Uruguai não é um país com grandes atrações turísticas e, apesar de no primeiro momento isso incomodar nossos olhos de turistas, depois de algum tempo percebemos que neste fato reside a sua maior qualidade. Pois, apesar de não haver monumentos grandiosos, castelos ou edifícios únicos, a natureza desta terra, em toda a sua extensão, é simples e bela. Este é um país frugal e, portanto, não é um bom país para se ver de passagem feito curiosidade de circo. Ele foi feito para ser um bom lugar para se viver.
  
Por mais que se ande e procure, e nós procuramos bastante, não há aqui grandes demonstrações de ostentação seja por parte das pessoas que aqui vivem ou pela nação como um todo. Claro é que há aqueles que têm muito mais que os outros, e claro também é que há aqueles que quase nada têm. Percebemos estes extremos quando vamos a Punta Del Este com seus edifícios grandiosos e cassinos ou quando notamos que sobre pedaços de papelão e enrolado em alguns cobertores dorme um homem num canto de Montevidéu. A vida nunca será totalmente justa e esta é uma verdade universal.

Contudo, a impressão que levo comigo daqui é a de que o Uruguai não é um país de perfumaria que dá grande valor às futilidades como o meu. Talvez por sua natureza rústica de quem precisou lutar muito para ver-se independente do Brasil e da Argentina, a “frescura”, como dizemos nós, não é algo natural aqui. Este é um país honesto e sincero, e numa incongruência saudável, percebe-se que um dos países mais democráticos e liberais das Américas é, também, um país profundamente tradicionalista no que diz respeito à identidade de seu povo e sua cultura.


Não sei se voltarei para lá algum dia. Creio que não, já que há tanto para ser visto neste Mundo e tão pouco tempo em apenas uma vida para fazê-lo. Entretanto, se voltasse algum dia escolheria uma época mais quente, pois o frio mesmo neste início de primavera é difícil de aguentar ali, e iria de carro a dirigir por este país a conhecer o que ele tem de mais belo e verdadeiro, aquilo que não foi feito para turista ver.

Praia Brava, Punta del Este.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Inverno

Tristeza

Não sei mais onde guardar a tristeza. Não sei.
Ela vaza pelas frestas de gavetas por sua
qualidade líquida e úmida.
Não há como guardá-la em caixas ou sacos,
ela não cabe em armários, pendurada como se fosse um casaco.
Tentei, simplesmente, esquecê-la num canto.
Entretanto, não me esqueço.
Não há como esquecer-se daquilo que não se percebeu
o começo, e que me parece estará aqui, sempre.
Para sempre.
Seu começo e o meu fim, meu começo e o seu fim misturam-se
e não há como perdê-la, como não há como perder-me
de mim mesma.
Ela é minha, pertence-me egoísta e particularmente
como nada antes me pertenceu.
É minha a tristeza.


terça-feira, 1 de outubro de 2013

A Primeira Impressão

Río de la Plata


Chegamos à Montevideo e a primeira impressão que tenho é a de que a cidade lembra-me muito de Santos, no litoral paulista. Não sei por que esta foi a impressão que bateu-me, ou abateu-me. Talvez por seus edifícios de tamanho mediano, suas ruas arborizadas e seu calçadão sem fim margeando o rio-feito-mar. Talvez, principalmente, porque haja este rio que mais parece ao mar por seu tamanho sem fim para os nossos olhos; o Rio da Plata neste ponto parece muito maior do que nossa imaginação para rios pode prever. Se não fosse por suas águas escuras e por sabermos que ainda não estamos defronte do oceano que nos aguarda alguns quilômetros adiante, não fosse por isso, poderíamos crer, cegamente, que estamos defronte a um mar.

Lembrei-me do Tejo, que não tem estas águas escuras de terra como o Rio da Prata, mas que também tem suas pretensões à mar. O Tejo apresentou-se lindamente para mim, há um ano, com suas águas azuis e cheias de história e estórias. Rio donde saíram as caravelas que nos descobriram, rio que se debruça sobre o mar e que parece por ele ser recebido de braços abertos convidando-o a navegar por suas águas. Vendo o Tejo chegar ao Atlântico, compreendi porque parecia tão necessário aos portugueses navegar.


Lindo, também, se apresenta hoje este rio latino e imponente, cheio de praias e barcos. Rio que separa Montevideo e Buenos Aires, disso eu sei. No entanto, ainda não sei o quê este rio me fará compreender. E por isso, assim que me vi cara a cara com ele, estiquei o pescoço e apertei os olhos para ver se conseguia, com um esforço tamanho, enxergar o país que fica do lado de lá do rio. Claro que não vi nada além de água, céu e nuvens que mais pareciam montanhas a margear o rio. Apenas na imaginação e nas lembranças Buenos Aires está presente e, por isso, posso vê-la.