domingo, 25 de abril de 2021

Indício de desejo ve(e)mente...

 


Indício de desejo ve(e)mente...

 

suspiro pesadamente

suspiro sem muita vontade, apática

Suspiro de saudades da vida que não tivemos

que não teremos e que a ninguém importa

nem para ti

talvez para mim

suspiro sem saber direito os porquês deste pesar incólume

sem cor

sem cheiro

sem dor ou suor

sem o desejo vivo de que um dia nossos corpos se reencontrem

(se toquem)

pesar que mesmo assim me dói diariamente

farpa de carvalho cravada no dedo

sem posição certa para a morte até este momento

as minhas costas doem com o peso de uma vida inteira

pela metade

porque o coração deixou de sentir, ou aprendeu a fingir

Cansado

e virou simplesmente um músculo resistente, teimoso

e bravo.

Suspiro

antes do encontro

 


antes do encontro


procurar uma escada de madeira

dando para o abismo

é uma ação que só pode acontecer nesta língua

estranha e numa cidade cortada por um rio

que fique no meio dos dois

(quando um precisa ir embora

para sempre)

 

mas um dia ela chega

com a pergunta:

— o que vem à sua cabeça

quando digo a palavra

amor?

 

um dia desce no meio do dia

e vê. e um dia vê a peça lilás sobre a quina da mesa

quando volta. ele diz saltar. saltar para fora.

e atravessa na esquina

procurando a escada. depois diz que quer saltar

para fora desta canção.

 

mas um dia chega com

a pergunta:

— o que vem à sua cabeça quando

digo a palavra amor?

e ela responde

que amor em japonês

se diz /ai/.

 

e, de repente, um branco.

as linhas se tornam cada vez mais

quebradiças. um banco parado no meio da cena,

um quadrado iluminado e a frase mais longa

que ele me disse nos últimos

seis meses.

 

o que significa um cachecol vermelho

pinicando sozinho?

uma abelha, pensa, mas o cachecol pinicando,

voando como uma abelha, talvez um inseto

estridente, incidente para ouvir quando ele

chegar e vir.

 

agora sobrou apenas a estática

tremendo e você a leva de volta até o barco:

— a estática?, pergunta, você lembra

daquela vez? e ela fica parada na chuva

com o colete salva-vidas esperando

alguma coisa acontecer.

 

[aqui o telefone

vibra na bolsa e um parêntese

para dizer que não sabe onde está mas é longe

não sabe onde está mas é frio

não sabe onde está mas é quase.

ao ouvir a voz,

parece de verdade,

e então ele levanta e me diz algo

sobre o fim

ou sobre o sim

e toca na tela uma imagem

do filme]

de Marília Garcia

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Todos Sem Ar

 


Todos Sem Ar

 

Há mais de um ano não somos donos de nossos narizes como d’antes costumávamos ser. Não senhor. Vivemos há mais de 12 meses, por este mundão todo, num tipo de “estado de exceção” onde nossa liberdade de ir e vir se vê tolhida. Não que todas as democracias do Planeta Azul tenham sucumbido. Claro que não. Mesmo que em alguns casos, como em Terra Brasilis, elas não sejam assim um exemplo do que deveríamos chamar de democracia. O que nos prende é um pequenino vírus, quiçá uma praga divina.

Pois, a tal Covid-19 tem se mostrado mais teimosa e persistente do que imaginávamos e insiste em permanecer por nossas ruas e avenidas. Onde nós, agora, via de regra, não podemos estar. É bem verdade que em alguns países a situação já está sob controle, ou assim nos parece do lado de cá do gramado, e por lá a vida volta a parecer-se com aquilo que um dia tivemos.

Infelizmente, aqui no mundo do seu Jair, as coisas são mais complexas e complicadas do que em outros cantos e recantos por aí. Por cá, a lógica foi definitivamente subvertida e antes de fazermos tudo o que podemos para deter o tal vírus mutante, digno das páginas de Stan Lee, estamos preocupados com o próprio umbigo e com as eleições em 2022. Assim, olhos postos nas nossas próprias barrigas, seguimos sem rumo certo; rodopiando sem sair do lugar.

E, com o passar do tempo, foi-se para a cucuia a nossa paciência, a nossa esperança, e a nossa sanidade mental. O perigo é real e torna-se mais letal com o passar do tempo e nossas novas cepas turbinadas pela receita brasileira de fingir que o problema não existe. Pois, parece-me que no quesito criar desgraceira somos mesmo eficientes.

Assim, sem conseguir perceber claramente a luz no fim do túnel. Apáticos a espera pela vacina salvadora que chega a passos de formiga e cheia de preguiça, seguimos. Milhares de nós, brasileiros, seguem sufocando nos hospitais lotados lutando para respirar, enquanto, cá fora seguimos nós também tentando respirar normalmente. Atacados pela angústia, pelo medo e pela ansiedade temos os pulmões funcionando sem problemas, contudo, nossas mentes já demonstram claramente a falta de ar.




sexta-feira, 16 de abril de 2021

terça-feira, 13 de abril de 2021

Na Margem (não te quero largar de uma vez...)



Primeira pinga bate

Eu sei o que se segue

Não há um chocolate

Que acalme ou sossegue

Dilúvio cai e eu 'tou fora da jangada

Fui p'ra fora de pé

Fiquei fora da jogada

Tenho amor tropical

Febre ocasional

Quatro climas num só dia

E um dia foi fatal

Quero largar, não consigo

Não espero ser amigo

Gero um ar sem abrigo

Mero olhar é um castigo

Devolve-me o sangue

E tudo o que tiraste

Levaste mais que um gang

Mas eu não sou um traste

Não há nada que me afaste

Tu nem sequer tentaste

Dizes p'ra bazar

E esperas que isso baste

Nunca

Não te quero largar

De uma vez

Não consigo aceitar ser cortês

Falta querer e coragem

Calma na viagem

Se eu fujo da margem

Sobra voz e guitarra

Palavra que escarra

Essa dor que me barra

Perdi vergonha na fronha

Autoestima não existe

Não esperas que eu me oponha

Acho isso tão triste

No meu pior tu nunca desististe

Quando te dei o meu melhor

Meteste o punho em riste

Falas em control

Mas isto não se domestica

Se é certo que se sente

É certo que se estica

Há pica

Aplica a esperança

Dou clique à bonança

A dica é mudança

Avança


Não te quero largar

De uma vez

Não consigo aceitar ser cortês

Falta querer e coragem

Calma na viagem

Se eu fujo da margem

Sobra voz e guitarra

Palavra que escarra

Essa dor que me barra


Eu tinha vinte anos

E pensava que o mundo

Não tinha mais do que eu vira até então

Arrepio-me só de lembrar da sensação

De te ter sobre o meu corpo

Toda a tarde no colchão

Depois tiraste-me o horizonte de uma vez

E em vez de me amares para sempre

Deixaste-me de vez

Sem explicação nem porquês

Seguiste o teu caminho

Senti-me tão sozinho

Eu era tão tenrinho


quarta-feira, 7 de abril de 2021

habitar

 



habitar

 

Habitas meus sonhos a fazer deles tua casa

à revelia do que conscientemente quero

                                                                       eu

Apareces sem aviso

sem motivos

sempre sorrindo

e penso

ao pensar meus sonhos

que ainda tu és meu buda particular

Chegas sempre em dias claros e cheios de brisa

quentes como um abraço

e sem muito a dizer,                                                                   apenas sentimos

Talvez seja eu que fuja da realidade

tão sombria destes dias com mais frequência do que antes

não sei

O que sei é que nunca habitaras tanto meu inconsciente

de forma tão realista

pois verdadeiramente sinto, naquele sitio perdido da imaginação,

teu corpo presente

Sendo assim

abrir meus olhos pela manhã todo santo dia

tem sido um eterno partir

Vivo à noite noutra vida enquanto tu me habitas