terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Morte e Vida Severina | Animação



Porque a vida ainda tem muito de severina nesse mundo a obra do grande João Cabral de Melo Neto vale sempre ser revista.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Criolo - Etérea

Um




Um


Um mais um são dois; por vezes quatro

Não no meu caso

Ao acaso,

para mim, um mais um são meio;

apenas uma metade

Longe, em dias de chuva,

de ser um inteiro

Enquanto, solitário,

o vizinho no apartamento de cima toca

seu contrabaixo,

percebo:

nesse verão tem chovido o dia inteiro

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Saudades de ouvir o Manoel



Um pouquinho da poesia de um poeta que me faz sorrir: o menino Manoel de Barros.


Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.


Tratado geral das grandezas do ínfimo

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.


Uma didática da invenção

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.

III

Repetir repetir — até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:

Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras.

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

VI

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.

VII

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.

VIII

Um girassol se apropriou de Deus: foi em
Van Gogh.

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz .
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

X

Não tem altura o silêncio das pedras



terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Amor Acidente




Amor Acidente

Rodrigo Alarcon, Rodrigo Alarcon featuring Liniker

Jogados aqui
Dois corpos abraçados
Deitados, machucados
Um amor-acidente
Todos param pra ver
Ninguém toca
Nem se mexe
Por medo de se dizer
O que não se diz
Que morreu
Que esse amor
Não mais existe aqui
Faleceu
E da morte nasceu
Poesia e canção
E toda essa exposição
Ainda vai me matar de vez
Na frente de vocês
Deixa o meu amor-acidente
Sangrar
E ele vai sangrar
E todos vão saber
Que eu sofri por amar
E como amei
Ah, como eu amei
Ah, como eu amei
Como eu amei
Mulher eu te amei
Jogados aqui
Dois corpos abraçados
Deitados, machucados
Um amor-acidente
Todos param pra ver

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Em Luto


Em Luto
Estamos em luto. Um luto que já dura um bom tempo.  Um luto que nos habita desde que percebemos que andamos a colecionar tragédias que repetem-se como um eco do descaso à vida que graça por nossas terras. No Brasil a vida vale pouco; quase nada. Vale menos do que quaisquer dinheiros, não vale o cuidado e o zêlo dos responsáveis, não vale muito para aqueles que fazem as leis. Não vale nada para aqueles que nos governam. Anda a valer pouco para o cidadão brasileiro que demonstra pouco respeito à vida dos outros cidadãos amiúde.

Hoje, depois de uma sucessão esquizofrênica de desgraças com a morte de tanta gente; gente que cuidava da própria vida sem causar mal algum, gente que de tão jovem não podia ser chamada de gente-grande, perdemos um homem que nos dava voz e que procurava, à sua maneira, cuidar bem da vida de todo brasileiro. Hoje perdemos o Sr. Ricardo Eugênio Boechat, um jornalista que nos representava como poucos já o fizeram na história brasileira.

Entre tantas mortes que por cá ocorrem todo santo dia, a morte de Boechat nos deixa melancólicos e nos faz sentir mais solitários. Eram deste senhor as críticas mais contundentes à políticos, legisladores, empresários, e à todo cidadão que malversava em suas funções. E, por isso, era também dele a voz que melhor representava a nossa indignação com o descaso e o desleixo com os quais a vida por cá tem sido tratada.


Boechat partiu para tornar-se lenda; um dos melhores brasileiros que conhecemos. E nós... Nós seguimos em luto por tempo indefinido. Por muito tempo.



Boechat hoje pela manhã em sua última participação na Rádio Bandeirantes.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Estrangeira




Estrangeira

Não falamos a mesma língua
apesar de um alfabeto inteiro em comum.
Apesar de tantas coincidências em nossos vocabulários,
às vezes não percebo os teus silêncios,
para mim,
falas uma língua estrangeira.
E eu, eu não compreendo os teus porquês.
E tu; tu não compreendes os meus sentimentos.

Sinto o mundo inteiro: tudo aquilo que conheço,
o que acredito saber devido às minhas ousadas teimosias
e o que a minha intuição me diz,
através das palavras escritas e ditas.
bem-ditas
mal-ditas
perco-me náufraga em meu planeta de sopa-de-letrinhas.

Sem direção certa organizo um par de letras que, talvez,
um dia poderão por outros olhos serem lidas.
Lanço este barco de papel,
folha de caderno-eterno dobrada com esmero
e sem qualquer talento
à espera de bons ventos. Porém,
não há tormenta capaz de fazer a minha pequena nau o mar atravessar.
Falo uma língua estrangeira.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

O sonho



O sonho

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.

Clarice Lispector