sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Numa Noite

A noite estava quente, apesar de ainda não ser verão, e apenas uma brisa leve podia ser sentida lá fora. João e Ana estavam há algum tempo naquela festa abafada e cheia. Ele meio incomodado com toda aquela confusão e ela, depois de algumas cervejas, dançava e ria se divertindo; dois opostos sempre. Ana adorava estar no meio da multidão, isso sempre lhe fez bem, excitava-a. João sabia muito bem disso e, apesar de não gostar nada da situação, suportava de bom grado toda aquela irritação por ela. Passava um pouco das três da manhã quando Ana aproximou-se e beijou-o forte e demoradamente; sinal claro de sua intenção e de que era hora de ir. Sempre cheia de vontades essa menina mimada, pensou João decidido a deixá-la com suas vontades durante um tempo e ignorá-la.  Ela sempre o fazia obedecê-la mesmo sem dizer nada, e isso o incomodava um pouco. Afinal ele era o homem, o mais forte, aquele que deveria dizer o que eles iriam ou não fazer. Mas ela, ainda sem dizer nada, sorriso doce, apertou o pau do namorado. Só um carinho, diz Ana, mansa e com olhos de gato a pedir algo. João sorri, adorava a sua pequena; adorava todas as suas pequenas loucuras e sua maneira divertida de levar a vida. Ela é o meu lado B, dizia aos amigos. Ela era aquilo que ele escondia dentro de si, seus sentimentos e medos. Definitivamente estava perdido, não havia como resistir, não havia como não querer. Em cinco minutos estavam na rua, noite fresca e de lua grande e branca. O carro estava a três quadras do bar, numa rua pequena e sem saída. Àquela hora não havia ninguém, nenhuma luz vinha dos apartamentos ao redor, nenhuma janela estava aberta; a rua e o mundo estavam em silêncio. Ana sentou se no capô do carro sem pensar, instintivamente. Ela nunca sabia de onde vinham suas vontades ou suas idéias, mas sabia que precisava obedecê-las e o fazia sempre. Puxou-o pela cintura esperando por uma reação. Estava a desafiá-lo ou a convidá-lo? Não sabia bem, mas sabia que com ele não havia lugar para o medo, para as incertezas ou os preconceitos. Amava-o mais do que a si mesma; João era sua terra firme, seu ombro seguro até o fim. Eles não disseram nada, apenas seguiram em frente. Ela sentia o metal frio nas costas contrastando com todo o calor que vinha dele. A brisa nas pernas, e o coração louco dentro do peito com a mistura de prazer e perigo que a atraía desde pequena. Havia certa urgência e força nos gestos dele, João a conhecia bem. Conhecia sua necessidade de sentir que não poderia escapar mesmo que quisesse. Ele segurou-lhe os pulsos juntos sobre a cabeça com a mão direita, ela queria gritar. Parecia que explodiria a qualquer momento, que todos os sentimentos iriam sufocá-la, matá-la. Não deveria gritar ali e beijou-o sem fôlego até o fim.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

... então...


Verdadeiro
Quero amor de bandolins, doce e melancólico.
Suavemente manhoso e de alma alegre,
Que cheire à madeira e vinho, à terra, folhas, e serra.
Quero um amor de dedos entrelaçados
Ultrapassando tempo e espaço
Que faz os olhos brilharem a sorrir.
Amor que dá sentido ao desejo
Que faz verdadeiro o beijo
Que enche o peito e nos diz,
Como um velho poeta,
Que tudo vale a pena
Se tu deixas a tua alma invadir.
Quero um amor de frutas frescas, macio e suculento
Regado com carinho, afeto e um pouco de apego.
Amor que traz chuva de sabores e dá vida à boca
 Ao fazer da vida pouca a mais bela aventura louca
Que faz o sangue fervente fluir.
Quero um amor sagrado, onde nada é pecado
Abençoado ao fazer a vida nascer em mim
Por ti.

O Gosto
Gosto do sabor de dentro da tua boca
E do som da água que desce pelo teu peito.
Gosto do jeito que segura o meu queixo
E do gosto amargo das tuas mentiras.
Gosto dos cheiros, pêlos e cabelos
E da cor que traz pra contrastar com a minha.
Gosto do peso que faz em cima
E do sentimento que me alucina.
Gosto que gostes do gosto que sinto por ti.


Meu Veneno
Numa noite dessas
Meus dedos estarão enroscados em teus cabelos
Calmos a embalar sonhos amenos
Sentindo morno o teu cheiro
Ouvirei o ritmo do coração em teu peito
E dele cuidarei com todo o zelo
Numa noite dessas
Não haverá mais a morte ou o tempo
Sem lugar esquecerei a solidão e o desespero
Pois doce me será teu veneno
Amor que vive agora em desterro
Numa noite dessas
Vou perder-me em ti
Vou senti-lo em mim

A Guerra

Vou comprar uma caravela, fazer a viagem inversa,
numa rota paralela para aportar em tuas terras.
Prepara tua espada, pois haverá guerra,
e não terei pena ou compaixão.
Vou te jogar ao chão e será como na selva:
carnificina à moda antiga.
Prepara-te português,
pois será a tua vez de sofrer em minhas mãos.
Já afiei as garras, cortei as amarras e o oceano me espera.
Afia a tua espada e estejas bem preparado,
para o combate tão esperado,
sê dedicado.
E então, talvez, poupe tua vida
e te faça meu eterno escravo
que de ti já estou cativa.


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Futebol

Aviso aos navegantes deste texto que ele não é para aqueles que acham que futebol é um esporte de bárbaros, de gente nada inteligente, definido como: um bando de marmanjos correndo irracionalmente atrás de uma bola. Pois o futebol é, e será sempre, uma paixão para todos que entendem o que acontece dentro do campo, seja este na Espanha, no Brasil, na África do Sul ou no Japão.
O futebol é um esporte onde podemos ver a lógica e a técnica realizadas de forma prática, instintiva e coreográfica assim como dançar. A demonstração do pensamento pelo corpo em movimento. O jogador, a conduzir e a ser conduzido por aqueles que bailam com ele, segue o ritmo da partida e baila com a bola na nossa frente.  Não há corpo que possa ficar inerte e tudo se mexe: músculos, ossos, nervos e pele. Há as explosões velozes dos atacantes os quais disparam tal flecha rumo à meta como um Bolt jamaicano, há os gigantes da defesa que conseguem trançar-se entre as pernas dos adversários e roubar-lhes a bola quase a quebrar a teoria que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar e tempo no espaço, há o goleiro de reflexos mais rápidos que o pensamento com seus vôos de águia leves e certeiros e, há os passes em vetores de distância e velocidade perfeitos antes do gol derradeiro. Nós que estamos do lado de fora das quatro linhas santas, onde tantas vezes milagres acontecem, bailamos com eles. Pulamos, abrimos os braços, chutamos a bola num reflexo e seguimos os movimentos dos jogadores irracionalmente encantados a ouvir a mesma música que eles. Todos loucos para dançar.
Os incrédulos podem dizer: Ah, mas há os pernas-de-pau, há as partidas sonolentas onde nada acontece, há os frangos terríveis e fatais.  Verdade, isso até há. Mas então temos outra importante razão para amar o esporte bretão: O futebol nos redime do nosso cotidiano sem fantasia ao trazer consigo a crença no impossível, no milagroso, no religioso. Sei que Deus não é só brasileiro, mas com certeza em nenhum outro esporte a fé e a crença num poder superior estão tão presentes. Os times têm seus santos padroeiros e, se seu time está em má situação você ora, une as mãos, ajoelha e pede em contrição verdadeira. Nos dias de jogo os amuletos estão invariavelmente presentes, e neste quesito vale tudo: Terço bento, bandeira, de camisa a cueca da sorte, lugar onde você se senta para assistir a partida, e pessoas que podem assistir o jogo com você ou não. E, num momento de salvação de uma vida inteira, momento de glória suprema, você grita repetidamente para o mundo ouvir: CAMPEÃO... É CAMPEÃO! E sente-se abençoado por Deus durante pelo menos uma temporada inteira.
Por fim, ter um time do coração é como pertencer a uma nação. É ter orgulho de feitos que você tem como seus, pois você faz parte desta nação e se enrola na mesma bandeira que seus compatriotas da bola. Na sua condição de torcedor, o que difere muito da de jogador, não há dinheiro que te faça trocar de time do coração. Essa é uma paixão cega e um amor fiel para a vida inteira.

PequenosDetalhes

Sentou-se cansado na cama e seus grandes pés descalçaram os Nikes brancos que, sem perceber, haviam ficado ao lado das altas e pequenas Havianas dela. Assim, olhando friamente, via quão desproporcional era aquele par, pois não havia como acomodá-los de forma bela e simétrica. Onde estaria agora sua mulher de pés pequenos e horários malucos? Não haviam se falado o dia inteiro, e aquilo, àquela hora da noite, começava a incomodá-lo. Não pôde deixar de pensar como sapatos tão pequenos haviam trazido tanto para ele: tormento e aconchego, alegria e medo, prazer e uma dose de novos problemas. Sem querer se conheceram, e ele se interessou por aquela mulher pequena por sua personalidade doce e independente. Ela não era o tipo de mulher que o interessaria normalmente; afinal, onde estavam os seios fartos e as longas pernas que o deixavam sem fôlego? Estas formas nunca caberiam naquele corpo que parecia ter se esquecido de crescer e que combinava com tudo que era ela: uma mulher que não aprendera que não deveria ser mais uma menina com riso fácil e sonoro, com brincadeiras manhosas e eterna disposição para tudo que ele quisesse fazer. João não sabia se ele mudara por ela ou se ela o fizera mudar, mas ele sabia que não era mais o mesmo. Ela também não, talvez? Onde estaria agora aquele homem que prezava, mais que tudo, seus momentos de solidão e suas noites com a cama somente para si? O homem que buscava desculpas para, depois do sexo, voltar rápido e satisfeito para seu apartamento vazio. Ana o fizera mudar, definitivamente. Ela se agarrava a ele na hora de dormir, prendia-se a suas pernas e seus cabelos longos e, muitas vezes, dormia sobre ele. Estranho que aquilo que o irritava tanto antigamente fosse o que mais gostava de sentir hoje. Já não sabia dormir sem senti-la ali, sentir seu calor e ouvir suave aquela respiração. Momentos onde tudo parecia correto num mundo calmo e morno. Ana certamente o amava e isso, apesar da insegurança que o assombrava às vezes, fazia com que ele se sentisse muito bem, mais interessante e bonito do que realmente deveria ser. Ele sabia que jamais, mesmo que viesse a se separar dela algum dia, esqueceria aquela mulher e tudo que ela lhe sussurrava ao ouvido. Palavras lindas, diferentes e que para ele faziam todo sentido, Ana lhe dava poesia enquanto lhe fazia carinho. Ouvindo a porta, João quebra seus pensamentos, caminha até a sala e sorri ao ver aquele sorriso. Finalmente havia chegado sua pequena, o mundo estava perfeito.