domingo, 31 de janeiro de 2016

TransBrasil



TransBrasil

Por algum motivo que nos foge à compreensão, um defeito de fabricação do protótipo humano quiçá, nos interessa a vida alheia como não deveria ser. Sem atinar nos porquês desta mania tão estéril, para além da razão primeira pela qual gostamos de comentar a vida dos outros, me parece que a falta de vida na nossa própria vida faz mesmo com que espichemos olhos e metamos narizes onde não somos chamados.

Este hábito feio e sem fundamentos alimenta a nossa curiosidade em saber uma porção de coisas que não nos dizem respeito e que, jamais à tarde, farão diferença d’alguma relevância em nossa existência. O porquê de sermos tão ávidos por nos intrometer na vida dos outros, apenas Deus, creio eu, um dia poderá nos segredar. Entretanto, tenho cá para mim que este é um teste no qual, desavergonhadamente, não passamos. Uma armadilha para checar se a humanidade já aprendeu o que vem a ser um ser-humano. Pois, falhamos tristemente.

Claro que há intromissões muito distintas e que têm reflexos muito diferentes na sociedade e na condição do indivíduo inserido nela. Há, por exemplo, a curiosidade parva de alguns pela vida de ricos e famosos que nada de útil produzem, produziram e/ou irão produzir em toda sua vida, mas isso nada mais é do que aquilo que em si mesmo encerra: uma tremenda parvoíce de quem tem tempo de sobra.

O problema torna-se muito sério, entretanto, quando imaginamos que temos o direito de exigir que as pessoas se comportem de uma determinada maneira e que podemos ditar, tal Deuses supremos da sabedoria, o que é certo fazer ou ser nesta vida. Pois, não temos, já que nunca nos foi dado, o direito de dizer como as outras pessoas devem ou não ser. Temos sim o livre arbítrio, que nos confere o poder de fazermos as nossas próprias escolhas e o dever de respeitar as escolhas feitas pelos outros.

No último dia 29 tivemos o dia da Visibilidade Trans para lembrar-nos de que os direitos civis de cidadãos brasileiros transgêneros não são respeitados cotidianamente apenas porque eles decidiram exercer um direito que é inerente à condição humana: usar seu livre arbítrio para decidir quem eles são.

Apesar de soar estranha a afirmação de que alguém corre risco de vida apenas por decidir de quem ela gosta, quem ela é ou como ela vai se vestir hoje, esta é uma realidade sombria de um país que se crê muito mais gentil e carinhoso do que ele realmente é. Pois, o Brasil, que é um país violento para todos nós, mostra suas garras de maneira mais feroz contra alguns de nós apenas porque somos como somos: por nossas crenças, nossa pele, a quantidade de dinheiro que guardamos no banco e carregamos na carteira, por nossa opção sexual, e etc. e tal.

Não sei se há muito a comemorar e se podemos dizer que a situação tem melhorado, já que os índices de violência têm crescido contra homossexuais e transgêneros; como contra quase todo cidadão brasileiro. Porém, é fato que todos os dias muitos meninos e meninas corajosos colocam a cara na rua e não deixam mais suas opções trancadas em armários.  O jovem brasileiro não se esconde mais, como se escondia quando eu era uma menina, e isso é muito bom, mesmo; de verdade.


Basta agora que todos nós compreendamos o nosso papel, que é bem simples e fácil, nesta estória: Nós temos que respeitar e lutar, todo santo dia, pelo direito de cada um.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Chico e Tom (1983)



Choro Bandido

Chico Buarque

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Naufrágios







Naufrágios


De passo apressado passo pelo homem agachado no meio da rua,
estranho, atrás de uma mala negra
com rodas estáticas;
estancadas.
Alça estendida feito antena
a captar toda a grandiosa indiferença dos carros que passam velozes e
das gentes que caminham lentas; cegas.
Rosto em pânico, desfigurado,
o homem de joelhos se agarra à mala tal náufrago
como se toda a sua vida dependesse da minúscula balsa.
Como se toda a sua vida ali residisse,
em poucos centímetros quadrados de lona e plástico.
Passo de carro com minhas próprias preocupações
e vejo o homem em pânico agarrado a sua mala preta no meio da rua
pelo retrovisor do carro,
mas não paro.
E me afogo, desde aquele segundo,
em meu próprio egoísmo medroso e apático.
Eu naufrago.

domingo, 24 de janeiro de 2016

João (Parte 3 - Final)



João

Parte 1
Assim que dobrou a esquina, João percebeu que havia algo de errado. Apesar de não conseguir distinguir o que lhe causava aquele estranhamento, ele sabia que alguma coisa estava fora do lugar. Mais do que um fato, um sentimento o atingiu e, por isso, ele diminui o passo na avenida cheia no centro da cidade.

Esquecera a carteira; talvez. Buscou-a na mochila cinza que ele carregava, displicente, no ombro direito. Não. Ele não tinha esquecido a carteira, nem o telefone, nem mesmo seu caderno de anotações. João gostava de escrever. Escrever era uma terapia e, papel e caneta estavam sempre à mão. Caderno azul e caneta preta.

O que era aquele sentimento então? Bobeira, pensou ele. Continuou seu caminho em direção ao trabalho na rádio e tudo lhe parecia normal. As pessoas caminhavam apressadas, os carros abarrotavam as ruas, fazia muito frio num dia cinza de inverno e a manhã passava rotineiramente. Chovera muito na noite anterior e ainda agora ele podia sentir a umidade nos ossos. Que dia gelado, pensou.

João já descia as escadas do Metrô quando ele se lembrou: Hoje é dia 27, é isso. Por onde andará a Ana? Há mais de um ano não nos falamos, e já se foram tantos anos depois daquele maio. Ana...

Um homem esbarra em João e lhe interrompe os pensamentos. João balança a cabeça jogando para fora as tais bobeiras e continua seu caminho. O dia será cheio e ele não acha qualquer razão para se lembrar de Ana. Esta é uma estória que já acabou há algum tempo; há um bom tempo. A vida é outra e há outras coisas a fazer, outras pessoas.

O trem chega à estação, lotado, e João suspira resignado. Não há o que fazer, ele precisa estar na rádio em meia hora. O homem se espreme entre tantas pessoas num pequeno espaço, encostado ao lado da porta no final do último vagão. A porta se fecha e o trem sai.

João olha distraído para frente e seus olhos se impressionam. Alguns metros à frente, sentada num banco a ler, está Ana. Os cabelos mais curtos, ela está menos magra, talvez; com um vestido de inverno que João nunca havia visto. Ana...



Parte 2
Ana significara tanto e tinha sido tão pouco no final de todas as contas. Mais sonho e desejo do que realidade, mais o querer de João do que alguém a quem ele queria realmente; profundamente. Ana tinha sido canções melosas em excesso; noites mal dormidas à espera de sinais de que ela ainda estava ali, com ele. Ela era ter o coração acelerado muito para além do costumeiro num descompasso que o incomodava. João já não tinha certeza se amara Ana tão verdadeiramente ou se ela era apenas o seu desejo de que a vida fosse mais do que o cotidiano. Sua necessidade do poético e do fantástico.

A rotina agora era mais tranquila e melhor, a vida mais segura e sensata tão cheia de sentido comum. Pensou o rapaz. Sim, a vida estava melhor para ele. Não havia mais os disparates daquele amor sublime, de um sentimento maior e inexplicável, da paixão. Para que serviam as paixões afinal; para nada. Apenas para que nós percamos a razão e não controlemos mais o que sentimos e o que pensamos. Pensamento fica turvado com tanta emoção, a voz embarga e os olhos enchem d’água. “Para quê?” Resmungou, para si mesmo, o João escondendo seu rosto atrás de outros rostos para não poder ser visto por ela.

Melhor assim. Melhor o amor tranquilo que não nos ameaça e que quando acaba não deixa grandes marcas. Aquele que como começou termina; aquele que simplesmente passa. Agora João era dono de sua vida e de seu nariz sem assombros. Agora ele tinha uma vida tranquila e era isso que ele queria: a tranquilidade dos dias organizados, padronizados e dentro do seu controle total.

João se escondeu porque sabia que era aquilo que ele deveria fazer; o que qualquer um de bom senso faria. Ele estava bem. Bem, mas incomodado com algo, João permaneceu escondido das vistas do mundo no final do vagão do metrô por algumas estações. Ele não compreendia muito bem o que o incomodava tanto. O medo de falar com Ana talvez. Talvez esse seja o mesmo medo que o congelou tantas e tantas vezes, aquilo que o impediu de arriscar-se e dizer, sem censura, tudo o que se passava dentro dele. Sentir demais o assustava. A vida não era assim e na verdade todos nós sabemos que estes amores eternos e estes sentimentos rasgados acontecem apenas nos filmes e nos livros baratos. Um homem e uma mulher não ficarão jamais juntos para sempre por amor. Para isso existem contratos firmados ou não em cartório, mas ainda assim contratos. Acordos para um bom viver pacato.

Ana fechou seu livro e saiu do metrô, a duas estações do destino do rapaz, sem se aperceber que João estava no fundo do vagão. Ela estava linda. Pensou João. Continuava linda aos olhos dele como sempre. Ana era perfeita demais para ele, era tudo o que ele sempre quis e, como tudo que é perfeito demais, ela não podia ser real. Ana era uma farsa.

Alguns minutos depois, mudo e tão frio como o dia, João saiu do fundo do vagão do metrô e ganhou a rua. O dia estava cinza e voltara a chover, caia aquela chuva fina e gelada dos dias de inverno que parecem não ter fim. João acendeu um cigarro para espantar todo o frio e apertou o passo para o trabalho como se o tempo fosse urgente demais. João fumava a sufocar, como tantas vezes antes, as suas lágrimas. João caminhava.


Parte 3 (final)
 Ana vira João distraído entrar no vagão a ouvir sua música; preocupado com suas coisas. Nesses meses todos, esta não era a primeira vez que o via no metrô. Eles viviam no mesmo bairro paulistano e os encontros inesperados e indesejados acabavam por acontecer, e Ana não sabia muito bem o que sentir nestes momentos. Ela sentia vontade de correr em direção a ele e abraçá-lo. De dizer que tudo estava errado como estava; que assim não podia ser. Ela queria mostrar-lhe que o Mundo tinha virado de ponta cabeça desde o dia em que disseram um ao outro adeus.

Ana gostava de vê-lo nas manhãs no metrô como quem via um antigo e amado filme porque naqueles poucos e parvos instantes as saudades dela arrefeciam-se um pouco. Ana o amava, sem compreender o porquê daquilo. Contudo, ela sentia e sabia que não falaria mais com ele, e sempre se escondia atrás de seus livros e revistas, atrás de ombros que ela não conhecia, quando o via entrar.

Ela sabia que não havia motivos para falar com João; nem sequer para tentar qualquer mínimo e descuidado diálogo. Ela tinha medo de suas palavras tanto quanto de seu silêncio indiferente, pois, estava certa de que aquele sentimento, que ainda inundava veias e artérias, existia e persistia somente nela. Ana sentia-se uma personagem na Quadrilha de Drummond com sua ciranda onde as mãos perdem-se no vazio... A vida era mesmo uma sucessão de encontros ao acaso e desencontros propositais.

Ana levantou-se e saiu do vagão do metrô para respirar o ar frio da rua alguns instantes antes do choro. Ela não podia chorar ali porque, então, ele a veria e... E se ele a visse, e se ela se soubesse vista, todas as suas ilusões e suas esperanças cegas teriam que ser mortas. Sim, elas morreriam assassinadas pela indiferença num vagão lotado do metrô e, certamente, Ana não saberia mais como seguir em frente. Ela não sabia viver sem seus sonhos, crenças e fantasias e João... João era a sua fantasia mais verdadeira.

Com seus óculos escuros e olhos inundados, Ana não conseguia segurar o choro. Ana caminhava.


Quadrilha
Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

The Same



The Same

I’m brokenhearted just because that is the way
it should be.
Me without you.
You without me.
And the World keeps on going around as if
everything were the same.
And it is, for sure.
While to me (in my twisted point of view of
how this whole story should be) nothing is right
cause this is not the end I believed in.
Now you are another man wearing the same boots,
so different that sometimes it is really hard for my eyes
to see it is you in front of me.
I am pretty different too. So different that in a glance
in the mirror
(in the same old loo where a tiny black spider lives)
I do not recognize myself. That woman is not me and
I do not know if, one day,
I will get to the conclusion about who 
she is.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Doce


Doce

O doce de goiaba vermelho e denso borbulha na panela
e invade a cozinha com seu cheiro que conheço desde a infância.
Lembro-me de ti e do medo que tenho de que me fujam
as memórias sem mais poder te ver.
Tenho muito medo de te esquecer,
e esforço-me para me lembrar de cada detalhe de um rosto
que sempre esteve aqui.
Ele era meu também; ele era parte de mim.
E entre as lembranças, pequenas flores coloridas e miúdas aparecem,
tão pequenas que tenho que me debruçar sobre elas
para compreender toda a sua discreta beleza.
Minha passarinha, em minhas lembranças,
(tanto as antigas como as novas, as que invento agora)
estás sempre entre as flores como se elas sempre tivessem sido
a tua casa.
Agora, tu moras no jardim de casa e em todos os pequenos
vasos de plantas que cuido todos os dias.
Agora tu és flores coloridas,
folhas verdes e suaves,
és o cheiro de terra úmida que me invade.
No jardim de casa cresce, indiferente a tudo que se passou,
uma nova árvore;
cresce a tua goiabeira que um dia nos dará doces.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Bowie



Bowie


Eu estava séria e definitivamente decidida a escrever sobre o tal desmanche do Corinthians, meu time de futebol de coração e alma.  Tal absurdo ocorrido com o meu time foi uma verdadeira tragédia de início de ano para mim, apesar de todos os outros pesares. Apesar de haver coisas muito mais importantes na vida, de haver problemas mais sérios e reais. Eu sei! Mas, aos diabos, é do meu time que falamos. Sabes? O tal circo que aplaca os meus problemas, que alimenta as minhas ilusões, que me faz esquecer as porcarias com as quais temos que viver. Pois, isso é o Corinthians para mim, minha ilha da fantasia particular e, ver uma bomba atômica chinesa despedaçar meu paraíso foi agoniante.

Pois, estava. Estava porque tudo mudou com a morte de David Bowie. Como assim ele morreu? De quê? Por quê? De repente? Não, não foi tão de repente assim pelo que se sabe hoje e, pelo que eu sei hoje também, se eu fosse uma heroína dos quadrinhos, dessas que tentam salvar a humanidade todo santo dia, o meu arqui-inimigo oficial já teria sido eleito, o tal do danado do câncer. Eita mal que não tem fim este, não?! O Sr. David Bowie foi vencido pelo câncer e o meu Mundo, aquele que eu conheço desde que me conheço por gente, diminui mais uma vez.

Mais do que um músico, o Sr. Bowie era um personagem, uma persona mítica que não se classificava muito bem na categoria simples mortal e que, portanto, não deveria simplesmente morrer. Ele povoou com sua música, suas identidades, sua falta de pudores hipócritas e suas caras toda a minha vida. Para mim não havia mundo sem a música de David Bowie desde os anos 70 e eu me assustei com a notícia de sua partida como me assustei, há mais de trinta anos atrás, com a morte de Lennon. Como me assustou a perda de Elis e a partida de Jobim; como me assombrou o fim precoce de Renato Russo e Chico Science.

É verdade que muita gente boa está a surgir na música sempre, eu sei. Mas pessoas como David Bowie, John Lennon, Tom Jobim e Michael Jackson, entre outros, são únicos no que fizeram porque eles influenciaram o mundo da música e a nossa cultura para sempre. O mundo não é o mesmo depois da passagem deles, de maneira alguma. E neste quesito, no quesito trazer à tona novidades, no que tange à quebra de velhos paradigmas e da criação da próxima fase deste jogo, o Sr. Bowie foi mestre. O tempo tem lá as suas crueldades a devorar lenta e irremediavelmente a todos os homens; Chronos, o criador de lendas.


Na última sexta-feira, ouvi ao novo disco de David Bowie em seu dia de lançamento. Blackstar foi a trilha sonora do meu dia sem cerimônias e com muita curiosidade. Já havia visto o vídeo do primeiro single e queria ver o que mais o eterno mutante nos tinha dado.  E hoje, alguns dias depois, emociona-me profundamente reconhecer o esforço deste homem para produzir música e poesia até os seus últimos dias apesar de todos os pesares. Apesar da dor e da certeza de que o fim estava a esperá-lo na esquina. Mais que um mito da música, de agora em diante para mim, David Bowie será um homem a admirar para sempre.















domingo, 10 de janeiro de 2016

All we need is love






All We Need is Love

The Beatles


Love, love, love
Love, love, love
Love, love, love

There's nothing you can do that can't be done
Nothing you can sing that can't be sung
Nothing you can say but you can learn how to play the game
It's easy

There's nothing you can make that can't be made
No one you can save that can't be saved
Nothing you can do but you can learn how to be you in time
It's easy

All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need

Love, love, love
Love, love, love
Love, love, love

All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need

There's nothing you can know that isn't known
Nothing you can see that isn't shown
No where you can be that isn't where you're meant to be
It's easy

All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need

All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
Love is all you need
Love is all you need
Love is all you need
Love is all you need

Love is all you need


quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

João (parte 2)


João

Parte 1
Assim que dobrou a esquina, João percebeu que havia algo de errado. Apesar de não conseguir distinguir o que lhe causava aquele estranhamento, ele sabia que alguma coisa estava fora do lugar. Mais do que um fato, um sentimento o atingiu e, por isso, ele diminui o passo na avenida cheia no centro da cidade.
Esquecera a carteira; talvez. Buscou-a na mochila cinza que ele carregava, displicente, no ombro direito. Não. Ele não tinha esquecido a carteira, nem o telefone, nem mesmo seu caderno de anotações. João gostava de escrever. Escrever era uma terapia e, papel e caneta estavam sempre à mão. Caderno azul e caneta preta.
O que era aquele sentimento então? Bobeira, pensou ele. Continuou seu caminho em direção ao trabalho na rádio e tudo lhe parecia normal. As pessoas caminhavam apressadas, os carros abarrotavam as ruas, fazia muito frio num dia cinza de inverno e a manhã passava rotineiramente. Chovera muito na noite anterior e ainda agora ele podia sentir a umidade nos ossos. Que dia gelado, pensou.
João já descia as escadas do Metrô quando ele se lembrou: Hoje é dia 27, é isso. Por onde andará a Ana? Há mais de um ano não nos falamos, e já se foram tantos anos depois daquele maio. Ana...
Um homem esbarra em João e lhe interrompe os pensamentos. João balança a cabeça jogando para fora as tais bobeiras e continua seu caminho. O dia será cheio e ele não acha qualquer razão para se lembrar de Ana. Esta é uma estória que já acabou há algum tempo; há um bom tempo. A vida é outra e há outras coisas a fazer, outras pessoas.
O trem chega à estação, lotado, e João suspira resignado. Não há o que fazer, ele precisa estar na rádio em meia hora. O homem se espreme entre tantas pessoas num pequeno espaço, encostado ao lado da porta no final do último vagão. A porta se fecha e o trem sai.
João olha distraído para frente e seus olhos se impressionam. Alguns metros à frente, sentada num banco a ler, está Ana. Os cabelos mais curtos, ela está menos magra, talvez; com um vestido de inverno que João nunca havia visto. Ana...



Parte 2
Ana significara tanto e tinha sido tão pouco no final de todas as contas. Mais sonho e desejo do que realidade, mais o querer de João do que alguém a quem ele queria realmente; profundamente. Ana tinha sido canções melosas em excesso; noites mal dormidas à espera de sinais de que ela ainda estava ali, com ele; ela era ter o coração acelerado muito para além do costumeiro num descompasso que o incomodava. João já não tinha certeza se amara Ana tão verdadeiramente ou se ela era apenas o seu desejo de que a vida fosse mais do que o cotidiano. Sua necessidade do poético e do fantástico.
A rotina agora era mais tranquila e melhor, a vida mais segura e sensata tão cheia de sentido comum. Pensou o rapaz. Sim, a vida estava melhor para ele. Não havia mais os disparates daquele amor sublime, de um sentimento maior e inexplicável, da paixão. Para que serviam as paixões afinal; para nada. Apenas para que a gente perca a razão e não controle mais o que sente e o que pensa. Pensamento fica turvado com tanta emoção, a voz embarga e os olhos enchem d’água. “Para quê?” Resmungou, para si mesmo, o João escondendo seu rosto atrás de outros rostos para não poder ser visto por ela.
Melhor assim. Melhor o amor tranquilo que não nos ameaça e que quando acaba não deixa grandes marcas. Aquele que como começou termina; aquele que simplesmente passa. Agora João era dono de sua vida e de seu nariz sem assombros. Agora ele tinha uma vida tranquila e era isso que ele queria: a tranquilidade dos dias organizados, padronizados e dentro do seu controle total.
João se escondeu porque sabia que era aquilo que ele deveria fazer; o que qualquer um de bom senso faria. Ele estava bem. Bem, mas incomodado com algo, João permaneceu escondido das vistas do mundo no final do vagão do metrô por algumas estações. Ele não compreendia muito bem o que o incomodava tanto. O medo de falar com Ana talvez. Talvez esse seja o mesmo medo que o congelou tantas e tantas vezes, aquilo que o impediu de arriscar-se e dizer, sem censura, tudo o que se passava dentro dele. Sentir demais o assustava. A vida não era assim e na verdade todos nós sabemos que estes amores eternos, que estes sentimentos rasgados acontecem apenas nos filmes e em livros baratos. Um homem e uma mulher não ficarão jamais juntos para sempre por amor. Para isso existem contratos firmados ou não em cartório, mas ainda assim contratos. Acordos para um bom viver pacato.
Ana fechou seu livro e saiu do metrô, a duas estações do destino do rapaz, sem se aperceber que João estava no fundo do vagão. Ela estava linda. Pensou João. Continuava linda aos olhos dele como sempre. Ana era perfeita demais para ele, era tudo o que ele sempre quis e, como tudo que é perfeito demais, ela não podia ser real. Ana era uma farsa.
Alguns minutos depois, mudo e tão frio como o dia, João saiu do fundo do vagão do metrô e ganhou a rua. O dia estava cinza e voltara a chover, caia aquela chuva fina e gelada dos dias de inverno que parecem não ter fim. João acendeu um cigarro para espantar todo o frio e apertou o passo para o trabalho como se o tempo fosse urgente demais. João fumava a sufocar, como tantas vezes antes, as suas lágrimas. João caminhava.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Lembranças



Lembranças

Com o passar dos anos gigantescas colunas
de memórias rodeiam  a casa
e ocupam todos os espaços da sala de estar.
Estão lá há tanto tempo e se misturam,
se confundem, os fatos e os desejos;
os sonhos e aquilo que um dia tornou-se real.
Já não é tão simples aos olhos perceber
o que foi apenas sonho,
pois os anos, as décadas,  combinam lembranças e esquecimentos
do mesmo jeito.
Eu me engano, reescrevo linhas de uma estória conhecida;
lida e repetida à exaustão.
Eu não me lembro das exatas palavras ditas
e do que significou aquele almoço quando foi impossível
engolir com tantos sentimentos
presos.
Ele realmente aconteceu ou foi apenas a minha vontade
gritando mais alto do que eu?
O que é real se tudo deixa de o ser com o passar do tempo?
Momentos perdidos,
mentiras consolidadas,
verdades perdidas,
e certezas efêmeras feitas de fumaça
compõem as desestruturadas colunas de minhas memórias
deixando apenas uma certeza:
sou uma farsa.