terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Aos meus olhos



Aos meus olhos


Eles correm em minha direção, feitos de vento,

mais velozes do que o pensamento são

Alegrias todas elas,

vida tingida de cores mais vivas desde

então, desde o instante

no qual se abriram seus olhos pequenos. Meus miúdos

e seus tantos olhos,

mais de uma dúzia deles, todos eles

invadiram-me a alma em enxurrada e os meus olhos sorriram

Eles correm sem direção bem definida e nada me importa que sejam

muito grandes alguns deles;

crescidos em demasia

Pois, como diz toda a gente,

aos meus olhos serão sempre pequenos, os meus miúdos, a caber em minhas mãos.

E para eles, hoje em dia,

sou eu que corro feito brisa.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Sou colorida



Sou colorida


Sou brasileira, sendo assim, uma pessoa colorida por nascença. Por colorido aqui devemos compreender que sou uma pessoa de cor; cor indefinida e múltipla. Como, aliás, praticamente todo o brasileiro o é. Afinal somos, quase todos, o resultado de inúmeras misturas de raças que remontam a tempos já esquecidos; há muito idos. Índios brasileiros, europeus, africanos e asiáticos formam a origem do que se chama de o povo brasileiro e, portanto, somos uma raça mestiça desde o berço.

Não, apesar de toda esta mistura, o Brasil não é um país livre do preconceito racial. Esta não é uma nação profundamente democrática; não senhor. Isso quer apenas dizer que aqui, via de regra, fica realmente difícil definir o que vem a ser uma pessoa branca ou negra. Afinal, há tantas dezenas de matizes e combinações possíveis que entre as simplistas definições de branco e negro cabe um universo inteiro de possibilidades. Somos mesmo um povo colorido.

Esta mistura toda, apesar do que muitas cabecitas parvas pensam sobre a mestiçagem, é sem sombra de dúvida uma das maiorias riquezas desta nação que nos abriga. Somos, graças a nossa variedade, aptos a tudo. Somos altos e baixos, muito fortes e delicados, somos criativos e focados, brincalhões e compenetrados. Sabemos fazer música de todo o tipo e escrever muito bem. Somos bons nos esportes do futebol ao karate; sabemos pilotar carro, jogar tênis, voleibol e basquete também. Produzimos de alimentos a aviões, e nos espalhamos a trabalhar pelo Mundo. Somos, por nossa diversidade, um povo capacitado para grandes feitos. Entretanto, falta-nos acreditar nisso.

Como diria Nelson Rodrigues, temos um danado complexo de vira-latas e não enxergamos o valor de ser o que somos: uma bela mistura que combina o que há no mundo todo; somos brasileiros. Pois, falta-nos acreditar e lutar um pouco mais enquanto povo; enquanto nação. E o problema, a questão, é que o brasileiro ainda se vê como um povo dividido e, portanto, não luta pelo bem estar de todos como uma nação. Não nos vemos como uma sociedade única, e ainda acreditamos, um tanto aparvalhados, que conquistar pequenos privilégios para nós mesmos, mirando apenas o próprio umbigo, seja uma boa solução. Não o é.

Pois, seria muito bom se todos nós compreendêssemos que somos todos coloridos, de tons diferentes, cheios de particularidades e peculiaridades e que isso, exatamente esta falta absurda de padrão, é que pode fazer de nossa terra, continental em dimensões, verdadeiramente grande. Ser brasileiro é poder ser completamente diferente de seu irmão e isso não causar qualquer espanto. Somos todos coloridos.

domingo, 7 de janeiro de 2018

A falta de um pronome




A falta de um pronome


Sem você fico apenas eu

E desta maneira, faltando um pronome,

foram-se todas as palavras daqui.

Elas fugiram de mim.

Foi-se a poesia, e a crença de que tudo teria

algum dia

razão de ser.

Não o tem. Não o terá.

A vida não está para além de uma simples

sucessão de dias; divina ironia.

E, ironia também,

quem diria que palavra tão pequena,

apenas quatro letras,

dois fonemas,

poderia fazer assombrosa diferença na vida

de alguém.

Quem diria que sem o tal você

fica todo o resto tão difícil e sem sentido assim,

tão complicado

para mim.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O primeiro mês


O primeiro mês

Janeiro mal começou, estamos no seu terceiro dia, e o ano que deveria ser novo em folha parece-me já meio usado. Gasto mesmo. Não sei bem se foi pelo fato de eu não ter pulado as tais sete ondas em suas primeiras horas, ou se por eu não ter levado à Iemanjá suas flores brancas; sei lá. O fato é que 2018 nasceu velho para mim, feito criança sem infância. Feito um miúdo que nasceu com alma idosa e sabe e diz coisas sobre as quais ainda não deveria saber. O 2018 está com carita de reencarnação de 2017; primo-irmão de 2016.

Quiçá isso sempre tenha sido assim e o tempo, além de relativo, não passe de fatos mal disfarçados a repetirem-se num looping infinito. Um labirinto. Bem, talvez o problema não esteja no tempo em si, mas no fato de eu já ter vivido um bom bocado de anos e, por isso, saber de cor que as coisas não mudam tão rapidamente como a nós nos gostaria. Pois, a tal da sabedoria que com a idade chega, em alguns momentos, é de fato uma estraga prazeres plácida, paciente e observadora.

Seja lá por um motivo ou pelo outro, seja lá pela total falta de motivos que me assolou no final do último dezembro, a verdade é que não me dei nem ao menos ao trabalho de uma mirrada listinha-descomprometida de metas para os 365 dias vindouros. Uma palavra sequer. Modo-bicho-preguiça on, ativado para ver o ano acabar em barranco como me diria minha mãe. Eita!

De novo, novo de veras mesmo, apenas dei-me ao luxo do novo romance de Ariano Suassuna. Livro lindo e bem cuidado, trabalho delicado editado em dois volumes de capa dura e cheio de litogravuras à la livro de cordel. Trabalho cheio de carinho, gerado e criado feito filho: com todo o zelo, a paciência e o tempo que uma criação de tal vulto requer. Dom Pantero no Palco dos Pecadores é fruto de tudo que foi seu autor, Ariano o senhor do sertão, e da cultura que nos faz brasileiros. Portanto, ele traz consigo muito do que somos todos nós.

Bem, nos finalmentes, posso dizer que o tal ano não me começou nada mal. Afinal, não poderá ser ruim um ano que começa com literatura, prosa e poesia e terá direito, além de muito trabalho e estudo, a Copa do Mundo e Carnaval.


Abaixo: Iluminogravura e poema de Ariano Suassuna

 ‘A Morte – A Moça Caetana’, Ariano Suassuna (Recife, 1980) [Com tema de Deborah Brennand]


Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.

Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.

Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,

pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.


– Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e iluminogravura pelo autor, 1980