terça-feira, 29 de março de 2016

Uma Menina chamada Lygia




Pedaços de Lygia Fagundes Telles


Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa.
Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca.
Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto.


Não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa ... E que interessa o castigo ou o prêmio? ... Tudo muda tanto que a pessoa que pecou na véspera já não é a mesma a ser punida no dia seguinte.


Quero ficar só. Gosto muito das pessoas, mas essa necessidade voraz que às vezes me vem de me libertar de todos. Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim.


A beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa incerteza.


Quando na realidade o amor é uma coisa tão simples... Veja-o como uma flor que nasce e morre em seguida por que tem que morrer. Nada de querer guardar a flor dentro de um livro, não existe nada mais triste no mundo do que fingir que há vida onde a vida acabou.

sábado, 26 de março de 2016

Para toda a Vida e Além




Para toda a Vida e Além

Com o passar do tempo tudo muda. Nós mudamos aos poucos e sem nos darmos muito conta disso, depois de um bom par de anos, somos outros. O corpo muda, o rosto muda, os gostos e hábitos mudam um bocado, algumas dores passam e outras chegam pra ficar. Estamos envelhecendo enquanto nossas crianças viram gente diante de nossos olhos e o mundo que era todo nosso passa a ser deles. Curiosa experiência que já nos dá amostras de um futuro no qual nós seremos os avós e eles os pais. Claro que há as saudades de muita coisa, contudo, há também a incomparável maravilha do novo; daquilo que nunca fizemos antes. E não há nada tão bom como fazer, sentir e ver algo pela primeira vez. A vida é mesmo uma experiência malucamente linda!

O tempo também nos dá a possibilidade de cultivar o que gostamos, de criarmos a ilusão verdadeira de que há coisas que são eternas. Dá-nos o gosto pelo vinho e os amigos de longa data; dá-nos a nossa família e tudo aquilo que nos é caro. E eu gosto demais de tudo isso. Poucas coisas nessa vida são tão boas para mim quanto estar à mesa com os que amo e poder simplesmente jogar conversa fora e rir.

Neste fim de semana celebramos a Páscoa, e pela primeira vez minha mãe não estará aqui. Pois, há as primeiras vezes não tão agradáveis; eu sei. Isso, contudo, não nos impede, de maneira alguma, de estarmos juntos e de lembrá-la com carinho. Sua ausência é, inexplicavelmente, marcada pela força de sua presença entre nós. Mesmo estando no lá céu, espiando de soslaio de cima de uma nuvem, Mima está aqui entre nós. E isso é muito bom.

Este é um feriado entre amigos e a família, com vinho, comida, chocolates e café; dias para muita conversa de olhos nos olhos e de chorar de rir. Dias para lembramos de que as coisas não têm valor nenhum se não as partilharmos com as pessoas as quais amamos porque, no final das contas, elas são a única coisa que verdadeiramente importa. As pessoas que amamos nunca serão levadas pelo tempo ou pela distância, pois elas são um amor para toda a vida e além.

Feliz Páscoa aos meus amores.


quinta-feira, 17 de março de 2016

Acabou



Acabou

Acabou-se a alegria
a fantasia
a poesia
o que era o certo virou errado
mudou de lado.
Embaralhadas as teorias não há mais direita nem esquerda
há uma gente  mal intencionada,
agitada e aflita,
que fita apenas  o seu umbigo
o centro de um reino poderoso e desgovernado
pelo dinheiro regido.
Pouco importa para qual lado
Viram-se os olhos da menina
porque mesmo de soslaio
ela realiza
que morreram todos os mocinhos, os príncipes
 os sábios
que ficaram apenas os monstros, os carrascos
os sapos.


domingo, 13 de março de 2016

À Rua

À Rua


Hoje milhões de brasileiros foram às ruas e eu também. Isso não acontecia para mim desde a época dos cara-pintadas de Collor em 1992, o que significa que muita gente que saiu para as ruas hoje mal tinha nascido então. Há mais de vinte anos, na adolescência, eu não sabia de muitas das coisas sobre as quais tenho consciência hoje, aos 40 anos, e isso significa que tal ida à rua tem um caráter muito diferente. Muito mais consciente, apesar de não parecer assim para muitos que teimam em defender o Sr. Lula e o PT.

Não fui à rua para apoiar qualquer partido político nem para gritar contra os terríveis malefícios do socialismo e do comunismo, coisa de gente pouco inteligente e de visão curta. (Aliás, gritar contra o comunismo parece-me algo deveras anacrônico até mesmo para qualquer chinês em 2016. Por favor!) Também não creio em e nem apoio o Sr. Aécio Neves que, como toda a sua tucanada, tem o seu rabo preso e dinheiro escondido por aí também. Penso que o tal Bolsonaro é um calhorda hipócrita da pior espécie e que a direita brasileira cheira tão mal como o rio Pinheiros numa tarde quente de verão. E, o PMD e seu presidente, Michel Temer a.k.a. Darth Sidious vilão duas caras da política brasileira, me dão repulsa desde que me entendo por gente.

O fato é que não vejo ninguém na vida política brasileira a quem devo apoiar neste instante. Contudo, também vejo o absurdo pelo qual passamos num país onde a corrupção graça feito mato. O Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, e o PT, poderia ter escrito uma história muito distinta, mas não o fez. Muito ao revés disso, ele e seu bando mostraram que a única coisa que lhes interessava, e lhes interessa hoje é o poder e todo o dinheiro que o alimenta.

A corrupção é um dos piores males para qualquer sociedade, pois ela mata mais do que qualquer doença fatal. Não temos bons hospitais e saúde, não temos escolas e educação, não temos segurança nas ruas e nem o direito sagrado de ir e vir sem medo como qualquer cidadão, nós não temos casas decentes para todos morarem e todo o etc. e tal. O cidadão pobre continua a sofre demais, no Brasil do PT, e continua a morrer nas filas dos hospitais, a morrer de bala perdida e facada na rua por causa de R$10,00 e um celular, a amargar a vida em subempregos porque todo o seu potencial foi perdido em anos nos bancos de escolas sucateadas e de um ensino falido.

Claro que a culpa de tudo isso não é apenas de Lula e do PT. Ela é de todos os políticos do país, dos empresários corruptores, e de todos nós que fechamos nossos olhos e somos então, pacificamente, coniventes. Contudo, e sem pensar sobre os outros todos culpados neste momento, eu quero é ver o Sr. Ex-presidente e todos os seus comparsas na cadeia a pagar por todo o mal que eles fizeram sem ver a quem. Como diz a sabedoria popular, lugar de Ladrão é na prisão. Não?

Avenida Paulista 13.03.16

terça-feira, 8 de março de 2016

Gabriel o Pensador - Chega








Voz de Mulher - Elis



Atrás da Porta

 
Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei
Eu te estranhei, me debrucei
Sobre o teu corpo e duvidei
E me arrastei, e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pelos, teu pijama
Nos teus pés, ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
Até provar que ainda sou tua

de Chico Buarque


domingo, 6 de março de 2016

Dentro de Casa


Dentro de Casa


Não me agrada nada isso de haver um dia da mulher. Nunca me agradou porque o vejo, ou via, como uma grande hipocrisia. Como um mimo fútil dado às mulheres para que assim elas acreditassem que alguém se importava com seus direitos neste mundo. Isso se dá muito porque não aceito, como nunca aceitei, que teria sido melhor ter nascido homem já que a vida é melhor e mais justa para eles. Não tendo nada contra os homens e compreendendo que há sim diferenças entre os gêneros como há diferenças entre cada um de nós, não me sinto um ser menos privilegiado por ser mulher. A diversidade é uma de nossas melhores qualidades e respeitá-la deveria ser uma condição sine quo non de todo ser humano.

Sou uma mulher latino-americana, sem muito tamanho de gente grande, entretanto, isso nunca me afetou. Sou mesmo, como cantou lindamente Cássia Eller, minha, só minha e não de quem quiser. Entretanto, vejo que a realidade e as coisas não são tão simples assim quando abro um pouco mais meus olhos para o Mundo, porque a minha sorte não é a sorte de todas as mulheres que habitam este planeta azul.

Em 2012 uma menina indiana de 23 anos que voltava do cinema com um amigo às 8 horas da noite foi brutalmente violentada e agredida por seis homens num ônibus. Por causa de todos os seus ferimentos ela morreu alguns dias depois. Lembro-me de ler sobre o caso na época e de sentir o grande pesar que sempre sinto nestas ocasiões por saber que mulheres são violadas, feridas e mortas no mundo todo todos os dias. Sei que a violência e a dor são fatos comuns em nosso mundo. Contudo, todo o meu pesar não me levou a nada. Não mexi um dedo sequer por ela ou por qualquer outra mulher ou pessoa naquele dezembro. Eu não conhecia os detalhes do fato e, simplesmente, não me interessei por sabê-los.

Hoje eu os conheço. Eu os conheço e eles me assombram desde o dia que, quase sem querer, assisti a um documentário sobre a violência contra a mulher na Índia; o pior país do mundo para uma mulher viver de acordo com uma avaliação da ONU. Nunca imaginei que um ser humano conseguisse, pudesse ou tivesse a coragem de fazer com qualquer ser vivo o que aqueles seis homens fizeram com Jyoti Singh Pandey, a menina de 23 anos. E tenho aprendido, desde então, que as pessoas são capazes de atos mais tenebrosos do que aqueles executados pelos mais cruéis personagens do cinema e, por isso, sinto-me envergonhada por todo meu silêncio nestes anos todos. Pela minha cegueira “saramaguiana”.
 
Não devo repetir aqui o que se passou naquela noite de dezembro de 2012 porque ninguém mais deveria saber que tais coisas podem acontecer; que elas já aconteceram. Entretanto, é muito importante salientar que toda a violência contra a mulher na Índia, como toda a violência contra mulheres no mundo inteiro, se deve principalmente ao fato de que temos educado nossos filhos e filhas por gerações a crer que as mulheres são seres de menor importância e poder e que, por isso, devem estar sujeitas às vontades e aos desejos dos homens. Pois, apesar de não haver nada que queiramos mais do que a felicidade e a segurança de nossos filhos, a realidade é que a violência que os atinge nas ruas começa dentro de nossas casas.

Mais do que leis para proteger quaisquer minorias, que somadas se tornam a grande maioria das gentes que caminham sobre o planeta, devemos ensinar o devido respeito para com todos em nossas casas. Mulheres, homossexuais, pobres, negros, gente muita magra, gente muito gorda, os mais velhos, os muito mais jovens; todos têm o mesmo valor que um homem branco com algum dinheiro. Eles sempre tiveram e sempre terão, e não enxergar tal fato é uma de nossas maiores fraquezas, nosso maior pecado.


Jyoti Singh Pandey, antes de morrer, sussurrou a sua mãe que a desculpasse por tudo que havia acontecido. Ela acreditava-se culpada, como quase toda sociedade indiana acredita e como muita gente acredita nesse mundo, apenas por ser quem ela era. Afinal, uma mulher indiana não deve andar à noite à rua com um amigo. Da mesma maneira que uma mulher no mundo não deve andar com roupas curtas ou pode ser atacada. Uma mulher não deve andar só por aí ou... Todo santo dia, ouvimos coisas como essas, dizemos coisas como essas, não?  Por quê? Pois, o fato é que não deveria haver nada neste mundo que uma mulher não pudesse fazer apenas por ser uma mulher. E a responsabilidade sobre tudo isso também é nossa.

Às minhas meninas.