terça-feira, 30 de agosto de 2022

Três tempos

 


Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor… não cante

O humano coração com mais verdade…

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade

 

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

 

Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.

 

E de te amar assim muito e amiúde,

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

 

Tomara

Tomara

Que você volte depressa

Que você não se despeça

Nunca mais do meu carinho

E chore, se arrependa

E pense muito

Que é melhor se sofrer junto

Que viver feliz sozinho

 

Tomara

Que a tristeza te convença

Que a saudade não compensa

E que a ausência não dá paz

E o verdadeiro amor de quem se ama

Tece a mesma antiga trama

Que não se desfaz

 

E a coisa mais divina

Que há no mundo

É viver cada segundo

Como nunca mais…

 

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

 

poemas de Vinícius de Moraes

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

ReConhecimento

 


ReConhecimento

 

Tudo muda em constância

num paradoxo linguístico que nos assombra

quando o pensamento atina

que nosso porto-seguro

flutua

ao sabor dos ventos e das marés

Mudo em constância veloz,

pormenores

detalhes

minúcias novas e inéditas

somam-se ao todo que sou com o nascer de cada sol

Então, chega o instante diante do espelho

no qual percebo

não ser mais quem julgava ser há pouco tempo

O instante no qual

não te reconheço

 

domingo, 7 de agosto de 2022

Sem o Gordo

 


Sem o Gordo

 

O passar do tempo é inexorável para todos nós. Como o vento, erode a matéria da qual somos feitos. Ossos, pele e cabelos tornam-se mais finos e delicados, a carne rareia; e a impressão é a de que, com o passar dos anos, nos tornamos de papel fino; delicados. Apesar disso, agrada-me demais ver o tempo passar a aproveitar tudo o que ele nos traz.

Pode ser que a matéria sofra mais do que gostaríamos; pode ser. Entretanto, a alma colore-se, o espirito fortalece-se e o coração amplia-se com o exercício diário que fazemos para aproveitar o tempo que temos. Se vivemos da maneira correta ganhamos tanto com o tal passar dos anos que a morte deixa de nos assombrar a partir do momento que percebemos que a vida foi boa e, singelamente, grandiosa.

Entretanto, e apesar de reconhecer a quão importante e significativa foi a vida do senhor José Eugênio Soares para todo brasileiro, não nos foi fácil aceitar que aos 84 anos Jô Soares já tinha cumprido mui honradamente seu tempo por aqui e que já era hora dele partir.

Imagino que para ele não restava qualquer medo da morte. Jô produziu muito durante sua vida e com orgulho devido, deveria já há algum tempo estar ciente de que a missão a qual ele se destinou nessa vida fora cumprida com excelência ímpar. Jô foi grande, muito maior do que o seu tamanho amplo que bem o representou. Inteligente, engraçado, talentoso. Bom, muito bom em tudo o que fazia; fez-nos rir e pensar. Jô era gordo e genial.

Nos fará falta, a todos nós. Mesmo que ele estivesse mais ausente nos últimos anos, tê-lo por cá era uma garantia de que, apesar dos pesares, ainda havia vida criativa e inteligente entre nós em Terra Brasilis. Em tempos nos quais a estupidez tem nos parecido mais abundante e poderosa do que o normal, não ter mais Jô Soares dói mais.

Beijo gordo para ti, nosso único Gordo.

 

 

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Vandals

Assim

 


Assim

 

De nada

Por nada

Que nada

Nada enfim

Não há mais nada

aqui

De todas as coisas que nada significa e de tantos significados

que da palavra nada pode-se extrair

interessante perceber que no final de toda a jornada é dentro

do nada que se encontra tudo

enfim;

tudo o que restou no fim

No fim de tudo nos resta um gordo nada,

vida que segue por outra estrada

e tudo recomeça

assim