domingo, 6 de março de 2016

Dentro de Casa


Dentro de Casa


Não me agrada nada isso de haver um dia da mulher. Nunca me agradou porque o vejo, ou via, como uma grande hipocrisia. Como um mimo fútil dado às mulheres para que assim elas acreditassem que alguém se importava com seus direitos neste mundo. Isso se dá muito porque não aceito, como nunca aceitei, que teria sido melhor ter nascido homem já que a vida é melhor e mais justa para eles. Não tendo nada contra os homens e compreendendo que há sim diferenças entre os gêneros como há diferenças entre cada um de nós, não me sinto um ser menos privilegiado por ser mulher. A diversidade é uma de nossas melhores qualidades e respeitá-la deveria ser uma condição sine quo non de todo ser humano.

Sou uma mulher latino-americana, sem muito tamanho de gente grande, entretanto, isso nunca me afetou. Sou mesmo, como cantou lindamente Cássia Eller, minha, só minha e não de quem quiser. Entretanto, vejo que a realidade e as coisas não são tão simples assim quando abro um pouco mais meus olhos para o Mundo, porque a minha sorte não é a sorte de todas as mulheres que habitam este planeta azul.

Em 2012 uma menina indiana de 23 anos que voltava do cinema com um amigo às 8 horas da noite foi brutalmente violentada e agredida por seis homens num ônibus. Por causa de todos os seus ferimentos ela morreu alguns dias depois. Lembro-me de ler sobre o caso na época e de sentir o grande pesar que sempre sinto nestas ocasiões por saber que mulheres são violadas, feridas e mortas no mundo todo todos os dias. Sei que a violência e a dor são fatos comuns em nosso mundo. Contudo, todo o meu pesar não me levou a nada. Não mexi um dedo sequer por ela ou por qualquer outra mulher ou pessoa naquele dezembro. Eu não conhecia os detalhes do fato e, simplesmente, não me interessei por sabê-los.

Hoje eu os conheço. Eu os conheço e eles me assombram desde o dia que, quase sem querer, assisti a um documentário sobre a violência contra a mulher na Índia; o pior país do mundo para uma mulher viver de acordo com uma avaliação da ONU. Nunca imaginei que um ser humano conseguisse, pudesse ou tivesse a coragem de fazer com qualquer ser vivo o que aqueles seis homens fizeram com Jyoti Singh Pandey, a menina de 23 anos. E tenho aprendido, desde então, que as pessoas são capazes de atos mais tenebrosos do que aqueles executados pelos mais cruéis personagens do cinema e, por isso, sinto-me envergonhada por todo meu silêncio nestes anos todos. Pela minha cegueira “saramaguiana”.
 
Não devo repetir aqui o que se passou naquela noite de dezembro de 2012 porque ninguém mais deveria saber que tais coisas podem acontecer; que elas já aconteceram. Entretanto, é muito importante salientar que toda a violência contra a mulher na Índia, como toda a violência contra mulheres no mundo inteiro, se deve principalmente ao fato de que temos educado nossos filhos e filhas por gerações a crer que as mulheres são seres de menor importância e poder e que, por isso, devem estar sujeitas às vontades e aos desejos dos homens. Pois, apesar de não haver nada que queiramos mais do que a felicidade e a segurança de nossos filhos, a realidade é que a violência que os atinge nas ruas começa dentro de nossas casas.

Mais do que leis para proteger quaisquer minorias, que somadas se tornam a grande maioria das gentes que caminham sobre o planeta, devemos ensinar o devido respeito para com todos em nossas casas. Mulheres, homossexuais, pobres, negros, gente muita magra, gente muito gorda, os mais velhos, os muito mais jovens; todos têm o mesmo valor que um homem branco com algum dinheiro. Eles sempre tiveram e sempre terão, e não enxergar tal fato é uma de nossas maiores fraquezas, nosso maior pecado.


Jyoti Singh Pandey, antes de morrer, sussurrou a sua mãe que a desculpasse por tudo que havia acontecido. Ela acreditava-se culpada, como quase toda sociedade indiana acredita e como muita gente acredita nesse mundo, apenas por ser quem ela era. Afinal, uma mulher indiana não deve andar à noite à rua com um amigo. Da mesma maneira que uma mulher no mundo não deve andar com roupas curtas ou pode ser atacada. Uma mulher não deve andar só por aí ou... Todo santo dia, ouvimos coisas como essas, dizemos coisas como essas, não?  Por quê? Pois, o fato é que não deveria haver nada neste mundo que uma mulher não pudesse fazer apenas por ser uma mulher. E a responsabilidade sobre tudo isso também é nossa.

Às minhas meninas.


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