sábado, 3 de janeiro de 2015

A Bailarina


Numa ensolarada manhã de outono, num domingo cheio de preguiça e silêncio, João caminhava pelas ruas do bairro. Ainda era cedo e o rapaz voltava a pé para casa depois de uma noite de trabalho; violão nas costas e cigarro entre os dedos. Havia tocado bem, muito bem, e sentia-se feliz, satisfeito. Querendo apenas a cama e o silêncio como companhia até muito depois do meio dia, João dobrou a esquina a quatro quadras de casa. Foi então que a música de um piano chamou-lhe a atenção. Era Fascinação. João olhou para cima, para uma janela do outro lado da rua. Através da janela de onde vinha a música o rapaz viu a dançar como se dança em sonhos a bailarina.

Ela parecia feita de luz e sons em tons tristes e leves como os da canção. Seus braços flutuavam e os cabelos castanhos soltos fluíam enquanto os olhos da bailarina pareciam perdidos nalgum tempo no qual João não existia. Ele a fitava perdido, e ela, perdida, não o via. Apenas dançava sozinha, a bailarina, uma canção tocada ao piano por mãos de alguém que não se via do outro lado da rua. Por isso para João, ainda meio embriagado pela noite, parecia que a canção era criada pelos movimentos da menina morena que dançava. “Como ela é linda!”, pensou o rapaz. Cigarro lançado ao chão, e passos devorando a rua, João chega à janela com olhos encantados e sorri.

Do outro lado do vidro, a bailarina continua a dançar em seu mundo. Ana ama dançar como não ama a nada mais nesta vida, pois sente, dentro de si, que a música vibra e a faz mover-se. A menina de cor pálida é movida à música e enquanto esta toca, ela vive em seu perfeito mundo de sons e movimentos como se nada mais existisse naqueles momentos.

 Contudo, minutos depois, ela percebe que rente à janela há um homem jovem de violão nas costas que sorri.  De soslaio sorriem os olhos da bailarina que enquanto dança pensa que aquele é o sorriso mais bonito que ela já vira em sua vida. Um sorriso curioso acompanhado de cabelos expressivos e olhos negros, de uma barba por fazer e de certo desleixo de quem gosta de provar a vida sem receios. Ana dança menos melancólica sabendo que há aquele sorriso do lado de lá do vidro. “Quem será?” pergunta-se a bailarina que depois do último passo da coreografia volta delicadamente o rosto para a janela e nota que o rapaz já não está mais ali.

Ana engole o sorriso que quase lhe saíra pela boca e a passos medrosos aproxima-se do vidro. Não há ninguém na rua naquela manhã de domingo quando todos estão dormindo. A bailarina sente um longo suspiro engasgado, e pensa que teria sido muito bom saber o nome do menino de sorriso tão largo, lindo e iluminado.  Ainda havia dez minutos de ensaio. Dez minutos era tempo demais, e depois de tanto tempo o rapaz do sorriso encantado já estaria perdido para sempre. Talvez ele morasse por perto. Talvez passasse noutro domingo qualquer... Talvez...

A bailarina dança dona de seus movimentos tristonhos por mais dez minutos sentindo a cada movimento; sentindo a canção. Despede-se da pianista e se veste para sair. Ela está cansada e um tanto acabrunhada com o sumiço do sorriso do menino. Ela não entendia como alguém que sorria para ela daquele jeito, de um jeito que ela não se lembrava de ter visto na vida, podia num instante sumir. Pois então, por que sorria ele daquele jeito para mim? Talvez ele nem sorrisse tanto assim. Talvez eu tenha apenas imaginado um sorriso maior do que o sorriso possível para alguém que me olha curioso através da janela. Talvez ele apenas achasse graça na dança... Talvez...


E assim, com uma fila de pensamentos a fazer curvas na sua cabeça, a bailarina abre a porta do estúdio para ir para casa. E ali, do outro lado da porta, calado, está o sorriso mais bonito do mundo a sorrir. Ana sorri o sorriso que engolira, e que agora sai da boca mais amplo do que nunca saíra. Agora, encantado, o sorriso dela encanta o menino que sem medo a convida para um café. Os olhos azuis de Ana sorriem. Ela adora café. Sim.


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