terça-feira, 1 de dezembro de 2015

João (parte 1)



João

Assim que dobrou a esquina, João percebeu que havia algo de errado. Apesar de não conseguir distinguir o que lhe causava aquele estranhamento, ele sabia que alguma coisa estava fora do lugar. Mais do que um fato, um sentimento o atingiu e, por isso, ele diminui o passo na avenida abafada no centro da cidade.

Esquecera a carteira, talvez. Buscou-a na mochila cinza que ele carregava, displicente, no ombro direito. Não. Ele não tinha esquecido a carteira, nem o telefone, nem mesmo seu caderno de anotações. João gostava de escrever. Escrever era uma terapia e, papel e caneta estavam sempre à mão. Caderno azul e caneta preta.

O que era aquele sentimento então? Bobeira, pensou. Continuou seu caminho em direção do trabalho na rádio e tudo lhe parecia normal. As pessoas caminhavam apressadas, os carros abarrotavam as ruas, fazia muito frio num dia cinza de inverno e a manhã passava rotineiramente. Chovera muito na noite anterior e ainda agora ele podia sentir a umidade nos ossos. Que dia gelado, pensou.

João já descia as escadas do Metrô quando ele se lembrou: Hoje é dia 27, é isso. Por onde andará a Ana? Há mais de um ano não nos falamos, e já se foram tantos anos depois daquele maio. Ana...
Um homem esbarra em João e lhe interrompe os pensamentos. João balança a cabeça jogando para fora as tais bobeiras e continua seu caminho. O dia será cheio e ele não acha qualquer razão para se lembrar da Ana. Esta é uma estória que já acabou há algum tempo; há um bom tempo. A vida é outra e há outras coisas a fazer, outras pessoas.

O trem chega à estação, lotado, e João suspira resignado. Não há o que fazer, ele precisa estar na rádio em meia hora. O homem se espreme entre tantas pessoas num pequeno espaço, encostado ao lado da porta no final do último vagão. A porta se fecha e o trem sai.


João olha distraído para frente e seus olhos se impressionam. Alguns metros à frente, sentada num banco a ler, está Ana. Os cabelos mais curtos, ela está menos magra, talvez; com um vestido de inverno que João nunca havia visto. Ana...

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