domingo, 13 de novembro de 2011

Des-Humanos



Durante muitos dias evitei, com dedicação, ver as imagens da morte de Muamar Kaddafi que foram mundialmente transmitidas tal final de um campeonato mundial. Fugia delas, pois sabia que haveria ali o terror que prefiro evitar, e sobre o qual, portanto, não gosto de falar. Não consigo ter a compreensão exata de qual parte de nossa humanidade mostra-se nestes momentos terríveis que chamamos desumanos. Mesmo assim, evitando-as a todo custo, não houve como escapar a flashes e linhas que me revelaram mais do que o necessário, e que fizeram com que o fato tenha me assombrado com uma insistência curiosa demais desde então.
Claro está que não falo aqui de nenhum santo, homem puro, que foi brutalmente assassinado, sei que não. Sei também que ele foi, durante anos a fio, responsável por atos tão ou mais terríveis que este. Entretanto, o que me assombrou foi a certeza de que a morte que assisti não deveria ter sido o destino de homem ou animal algum, seja ele bom ou mau. O que me entristeceu foi dar-me conta de que pessoas comuns, antes vítimas do ditador, tornaram-se algozes tão cruéis que nos fizeram sentir pena de um homem que, de acordo com seus atos pregressos, não mereceria nossa compaixão. E, outra vez, em nome do bem o que presenciei foi o mal acontecer.
Ficaram-me perguntas a martelar a cabeça, e a clareza incômoda de que tais atos cruéis dos quais somos tão capazes podem ser chamados de tudo, menos de desumanos. Ou eles não são uma reação antes de qualquer coisa humana? Não são? São? Se procurarmos a definição de desumano em dicionários encontraremos: falto de humanidade, cruel, bárbaro. Pois bem, o quão contraditório pode ser saber que os humanos são aqueles que mais têm a capacidade de cometer atos desumanos? Difícil mesurar, não?
Como pode haver prazer em deixar, ver e/ou fazer o outro sofrer? Compreendo que, num momento de dor, sejamos capazes de meter uma bala no peito ou no crânio de alguém e, ainda assim equivocados, termos a sensação de que aquilo que chamamos de justiça foi feita. Mas, a tortura... Esta foge de minhas possibilidades de compreensão e me faz, sempre, chorar. Chorar pela vergonha de perceber a desumanidade que pode haver em qualquer um de nós.
Na verdade me parece que, pouco a pouco, perdemos a capacidade de perceber no outro um ser humano também; voltando a tempos bárbaros há muito passados. Apenas isso, me faz compreender a nossa falta de compaixão com aqueles que padecem sofrimentos que nós, por obra divina, desconhecemos. Não sabemos o que significa estar em meio a uma guerra, nem o que é sentir seu corpo e mente violados de toda e qualquer maneira imaginada. Desconhecemos a dor que um homem deve sentir quando a fome é tanta que a pele da barriga parece poder beijar aquela que cobre as costas naturalmente tão longínquas. Por que deixamos ainda que coisas assim aconteçam todos os dias?
Por algum motivo, não muito claro para mim, lembrei-me agora de um poema de Manoel Bandeira que me incomodou muito quando li pela primeira vez. Deixo-o com vocês.
Um beijo e boa semana, mais uma vez.

O BICHO
VI ONTEM um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
de Manoel Bandeira

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