quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Mudo



Pela primeira vez em anos, muitos anos, todos os anos, fez-se o silêncio. Completo e vazio; inodoro. Pela primeira vez em sua vida não havia música, ela desligara o rádio e ouvia o ruído do motor do carro. Uma bicicleta passou no chão úmido. Silenciosa e quase transparente uma pequena aranha passeava por um mundo que parara de girar aos olhos de Ana. Os olhos seguiam a pequena aranha pelo painel do carro, por detrás do volante. Ana não se mexia, apenas a pequena aracnídea o fazia.

Ela era muito pequena e branca, insignificante. Porém parecia mais importante do que qualquer coisa naquele instante e Ana invejou-a. Invejou sua inconsciência e sua vida simples e completa em si mesma. A cabeça lhe doía e pesava como se fosse o crânio de um elefante, e ela apenas conseguia pensar que sentia uma inveja piegas da aranha.

O Mundo inteiro estava tão imensamente vazio e confuso naquele silêncio. Ele havia se quebrado, quando a pequena mulher compreendeu que todos seus desejos, seus sonhos e seus planos não passavam de belas alucinações. Ana compreendera, claramente, que estava louca; ela era louca. Louca destas loucuras silenciosas e inofensivas, mas percebia-se louca. Ana acreditara no que não existia, e mesmo depois de ter tido a comprovação cabal de que nada havia sido verdadeiro, mesmo neste momento, ela acreditava no que jamais existira. Estava definitivamente louca.

A aranha continuava a passear, e o semáforo já mudara sua cor algumas vezes. Àquela hora não havia carros na rua; apenas Ana, a aranha e uma esporádica bicicleta que já se fora há vários minutos atrás. O reino do silêncio imperava num mundo onde não se podia mais fazer música, o mundo de Ana tornara-se mudo.



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