domingo, 15 de julho de 2018

Einstein




Einstein

Ana esqueceu-se do porquê abrira a pequena gaveta branca. Buscava algo, mas, num repente, perdera o foco e a tranquilidade que a acompanhavam nos últimos tempos. Uma foto esquecida, lembrança a respirar suave sob um caderno antigo e cheio de ilusões balzaquianas, roubara seu sossego. João ainda estava ali, calado, de tocaia atrás de um grande carvalho que habita a cabeça dela.

O som de uma ambulância atravessa a janela do pequeno apartamento e abafa, por um segundo, o pensamento da menina. A vida continua rotineira e pacífica... Contudo, como sempre, os olhos dela perdiam-se nos dele como se houvesse algo fundamental a descobrir por trás daquelas retinas. Ana estava, uma outra vez, à deriva em seu mar verde.

O oceano que nela habita transbordara sem avisos, sem que ela tivesse se apercebido claramente do que acontecia. Lágrimas, soluços e o nó na garganta ainda estavam lá e este era um fato inesperado. Por quê? Pensava ela. Por que todas as coisas tiveram que correr assim: ironicamente realistas e debochadas? Uma segunda ambulância passa sob sua janela, e Ana fecha a gaveta sem barulho para não acordar mais alguma outra memória exilada.

Anos se apresentavam como dias naquele momento num tempo relativamente imperfeito, a fazer com que tudo que não existia mais há tanto tempo - João perto dela – parecesse real; atual. Não o era. Ana lembrou-se de Albert Einstein e da sua relatividade do tempo como se isso pudesse explicar o absurdo de algo há tanto passado fazer-se ridiculamente presente. O tempo passa de maneira distinta em situações diferentes. Pois, suspirou ela, dentro da gaveta branca ele arrasta-se lentamente.


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