domingo, 27 de outubro de 2019

Desperta




Desperta

Ana observa o teto branco e silencioso do quarto há alguns minutos sem se mexer. Lá fora, na cidade, um dia de verão começara como sempre: apressado, abafado e sem qualquer intenção de amenizar as dores daqueles que ocupam as ruas. Um ônibus acelera pesado com a barriga cheia de gente suada cedo pela manhã, uma ambulância passa anunciando a finidade da existência humana, carros sem paciência buzinam.

A vida se move lá fora enquanto Ana permanece, imóvel, pensando no sonho daquela manhã. Ana sonhara com João. E isso, agora, lhe parecia não fazer qualquer sentido. Há anos não o via, não se falavam mais há algum tempo e, depois de tudo, Ana aceitava que seus sentimentos não faziam qualquer sentido. Eles eram uma bobagem infantil, um capricho teimoso quiçá; uma fantasia antiquada. João não fazia mais parte de sua vida e Ana sentia-se melancólica às 7:30 da manhã.

O tal sonho tinha sido tão real com seus cheiros e gostos. Ana podia ainda sentir-se dentro do abraço de João e tal fato não se acomodava à realidade. Nunca um sonho com João tinha sido tão real e em tantos anos eles foram tão parcos; dois ou três, talvez. Porém, agora, numa contradição cruel, antagônica à realidade, sempre que fecha seus olhos Ana pode ver João como não o tinha visto ainda.
   
No sonho eles eram muito mais jovens do que quando se encontraram. Ele tinha já os cabelos longos e ela ainda dançava. Estava dançando no meio do sonho; dançando apesar de não poder ouvir qualquer música. João assistia a tudo sentado no meio da multidão. E a olhava sabendo que ela era sua. Ele a observava tranquilo e Ana se sentia bem como antes. Como quando João estava com ela e o Mundo fazia mais sentido.

Final da apresentação e lá fora faz frio, mas no meio do abraço de João a existência da bailarina era morna, feliz. O rosto dele se aproxima e Ana pode ouvi-lo sussurrar palavras no seu ouvido; palavras esquecidas; perdidas pelo caminho. Ana sorri e eles se beijam como sempre. Como se naquele momento o ar fosse acabar...

Sem querer se mover, Ana observa o teto branco do quarto e ouve a vida lá fora sabendo que não há lugar para sonhos no seu dia. Fecha os olhos mais uma vez a menina.

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