sábado, 3 de outubro de 2020

Quino para mim

 



Quino para mim

 

Quando meu irmão e eu éramos bem pequenos minha mãe lia para nós, como tantas outras mães, na hora de dormir. No geral, estórias saídas da coleção dos contos dos irmãos Grimm, dos quais a minha favorita era a Pequena Sereia. Nessa versão, sem os retoques açucarados da Disney, a tal sereia que havia se apaixonado pelo príncipe morria e virava, como todo sereia quando morre, espuma do mar no final.  E eu achava aquilo lindo! Sinal de minha prematura paixão pelo drama, não?

Seja lá porque for, meus pais tinham o hábito de comprar coleções de livros para a casa: enciclopédias, a Bíblia em vários volumes (os quais eu nunca li), os Clássicos da Literatura Mundial (quase todos lidos até os 20 anos onde descobri muito - Eça de Queiroz, Émile Zola, Tolstói, Standhal, Machado de Assis, Kafka, Dante e outros), e uma coleção de livros sobre a educação de crianças.  

E foi aí, numa divertida coleção de livros dos anos 70 que tentava ensinar aos meus pais como educar aos seus filhos que eu descobri a Mafalda, a minha Mafaldinha. Em cada capítulo da tal coleção havia uma tira em quadrinhos de Quino com Mafalda e sua família e amigos a ilustrar o tema. Ainda me lembro de pedir a minha mãe que lesse as estorinhas para mim, de procurá-las entre as páginas, de serem uma das primeiras coisas que eu li sozinha.

Assim, ainda antes de aprender a ler, lá pelos 4 ou 5 anos de idade, eu já era apaixonada pela menina dos anos 60, Mafalda, com sua inteligência e personalidade espirituosa. Não sei ao certo o quanto essa personagem influenciou-me, ou se apenas encontrei nela, muito cedo em minha vida, um exemplo de menina com a qual me identificava profundamente. Para mim Mafalda existe, e é um ser de carne e osso até os de hoje. Mafalda é minha heroína para a vida.

Cresci e comprei todos os livros editados com as tirinhas de Mafalda que encontrei pelo caminho. Versões em português e espanhol de Toda a Mafalda, com as tirinhas que Quino aceitou publicar em uma edição fantástica para mim, e Mafalda Inédita com as tirinhas que na opinião dele deveriam ter ficado longe de nossas vistas. Nunca! Nenhuma Mafalda deve ficar escondida. Não me canso, e creio que nunca me cansarei, de ler e reler mi Mafaldita que já não é escrita desde 1973. E isso é incrível.

No último dia 30, um dia depois do meu aniversário, Quino faleceu aos 88 anos. Mafalda foi oficialmente publicada pela primeira vez no dia 29 de Setembro de 1964 no hebdomadário Primera Plana na Argentina.  Meu coração triste ficou apertado e meus olhos alagados com a notícia. Quino não deveria morrer nunca, muito menos perto do dia 29 de setembro! Senti a perda dele como se um membro de minha família tivesse partido. Quino é o pai de Mafalda, e foi o criador de tantos outros personagens geniais. Um homem de ideais e que, tanto quanto pode, resistiu ao capitalismo sem ideias. Quino era Mafalda em carne e osso e, sendo assim, um verdadeiro herói para mim.

 

Mafalda e eu estamos em luto por um tempo.

Hasta luego Señor Joaquín Salvador Lavado. Hasta mi Quino!

 

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