terça-feira, 1 de fevereiro de 2011



As Palavras


Não há nada, ou melhor, quase nada, que me encante mais nesta vida do que as palavras. Em realidade, apenas as pessoas têm o poder de me encantar mais do que as palavras propriamente ditas, o que me faz lembrar: uma não existe sem a outra, não é? Não há como dissociar uma língua de seu povo, um poema de seu poeta, um conto de seu escritor, o que sai de minha boca diariamente de quem eu sou. Palavras são construídas e constroem pessoas há séculos, e assim sempre o será, deixando muito obscura a natureza desta relação tão promíscua, profunda e verdadeira: nós somos aquilo que dizemos; criaturas geradas por sua própria criação. E, para mim, fica complicado perceber onde tudo começa e termina, somos nós que damos origem às palavras ou são elas que nos provem o estofo do qual somos feitos?
Assim, o povo português sente mais saudade do que qualquer um neste mundo e, por isso, criou para si esta palavra ou, por termos a saudade em nosso vocabulário a colocamos cá no peito e a usamos como ninguém sabe fazer?  As bundas angolanas e brasileiras são mais gingadas e redondas do que as outras no planeta que não têm todo este rebolado e, por tanto, são conhecidas apenas como nádegas ou cu?  Seriam espanhóis e italianos tão briguentos e barulhentos se suas línguas não fossem tão dramaticamente sonoras como são? Toda a lógica empreendedora e natural dos americanos seria possível se eles não tivessem a língua mais prática e objetiva deste planeta?
Bom, claro que não sei a resposta para nada disso, contudo sei que a má palavra dói muito mais quando dita por uma boca que nos é querida. Dor difícil de esquecer, ferida eterna na alma que não há “band-aid” no mundo para cobrir e que nos faça esquecer.  Toda a beleza ou a fealdade, a grandeza ou a crueldade podem estar contidas dentro de nossas bocas, e para tanto, basta sabermos ou não o que dizer. Basta querermos ou não, para o outro, o nosso bem querer. Sei também, que é mais do que certo o ditado que reza que “Quem tem boca vaia Roma.” ou, como usamos mais corriqueiramente, “Quem tem boca vai a Roma.”. Tanto faz. Nós devemos gritar pelo que nós cremos ser correto e verdadeiro, devemos mostrar o que queremos e lutar pelos nossos direitos. Dizer bem claro e alto o que nos aperta a garganta e o peito. E, para tudo isso, nada melhor do que um bom par de palavras bem-ditas aos quatro ventos.
A verdade é que sozinhos não somos nada, e por isso, inventamos as palavras. As inventamos para que possamos expressar tudo o que passa em nossas mentes e nossas almas, dividir com o outro tudo o que existe dentro de nós, mas que não pode ser visto, apenas sentido e compreendido. Sejamos, então, sempre sinceros e verdadeiros autores de nossos textos. Afinal, quanto vale a nossa palavra?
Vai de presente para todos nós a música Palavra com Mayra Andrade, cantora cabo-verdiana que vale ouvir e ver.
Palavra
Composição: Mário Lúcio Sousa

Palavra:
Cruzado é jogo
Trocado é intriga
Dado é cumprido
Faltado é falsia
D´amor é poesia
De Rei é Lei
De Senhor, Ámen
Mal scrito é erro
Bem scrito é arte
Firmado é promessa
Di bô é simplesmente um língua na nha boca
Palavra:
De vivo é vento
De morto é herança
De honra é aval
Às vezes é lamento
De ordi é pa grita
Gritado é força
Às vez é fraqueza
Rimado é beleza
Rumado é blá-blá
Xintido é oraçon
Di bô é simplesmente um língua na nha boca
Palavra:
A favor é argumento
Cantado é finaçon
Titubeado é gaguez
Truncado é mudez
Calado, hmm! Desconfia
De Romeu é Julieta
De Quixote é loucura
De Buda é sapiência
De Fidel, persistência
Di meu podi ser banal
Ma di bô é simplesmente um língua na nha boca

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