quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O Bicho Papão





“Mãe, você está com medo?”
“Medo? Não. Vamos enfrentar isso.”

A resposta, tanto quanto a reação serena à notícia que havíamos recebido, surpreendeu-me. Surpreendeu-me e fez-me pensar se minha mãe compreendera a questão em toda sua extensão e delicadeza. Sim, ela havia compreendido tudo muito bem; claro que sim! Apenas eu, mais medrosa e dramática do que ela, não havia compreendido até aquele momento a força e a coragem com as quais minha mãe sempre enfrentou e enfrenta a vida. Foi assim, simples e tranquila a resposta de minha mãe a minha pergunta depois de recebermos, juntas, a confirmação de seu diagnóstico: Câncer no pulmão em estágio avançado.

Apesar de parecer estranha tanta calma, estamos calmos. Esta é uma reação que eu jamais esperava ter, porém, a verdade é que há apenas duas opções diante de tal problema: sentar e chorar ou pôr a cabeça e o coração no lugar e lutar com todas as armas que temos até quando pudermos contra o mal que nos atingiu. Choramos, agora estamos de pé e seguimos em frente. Assim será.

Assim será, porém sinto-me pequena e impotente feito criança a descobrir que o Bicho Papão realmente existe. Meu medo de menina, hoje, é real e o fato de que somos todos mortais torna-se palpável como nunca fora antes. O bicho não é grande e nem vive debaixo da cama ou no armário, entretanto, assombra-me. Silencioso, ele vive escondido dentro do corpo de minha mãe.


Por estes dias, dias que se parecem com um sonho indesejado, sinto uma mescla de sentimentos incompatíveis. Aceito o que está a acontecer, mas dá-me raiva que tais merdas aconteçam com pessoas que não as merecem. Minha mãe não merecia nada disso; de jeito nenhum.  E lembro-me do Diego, meu sobrinho de 5 anos, menino de personalidade forte e alma pura que não se conforma com qualquer tipo de injustiça. Sei bem o que ele me diria num momento como este e, agora, faço minhas as palavras dele. “É uma filha da puta esta doença!” É, Digo, ela é sim.

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