domingo, 19 de janeiro de 2014

Sacudidas


 E de repente, não mais do que de repente, aqueles que pareciam resignados aos seus lugares neste mundo, posições pré-definidas e estabelecidas por sua renda mensal, algo como castas hindus não declaradas oficialmente aos quatro ventos, mas ainda assim sabida por todos, invadiram a praia alheia. E como quem pode, pode, e quem não pode se sacode neste país desde que Cabral pôs seus pezitos em nosso solo. Quem pode anda a chiar muito contra o absurdo que é esse bando de moleques da periferia a andar por onde não deveriam estar com seus bonés, suas músicas, seu mau gosto e falta de educação.

Pois é, dar um “rolé” é algo que a meninada paulistana faz desde que eu era menina, e não conheço adolescente que não tenha dado, pelo menos uma vez na vida, uma voltinha no shopping porque não tinha nada melhor para fazer. Eu mesma fiz isso uma ou duas vezes na vida. Mas, agora, a história é outra, não é? A verdade é que eu não acho que este seja um protesto social em sua essência, apesar de agora estar sendo, claramente, usado como ferramenta política. Contudo, é sim o reflexo de nossa condição brasileira de sermos uma nação injusta para com os seus cidadãos. 

A grande diferença desta molecada da periferia, e da época que eu era uma parte deles, é que esta de agora pode mobilizar-se como nós não podíamos e nem sequer imaginávamos 30 ou 20 anos atrás. E as ações tomam proporções maiores quando publicadas nas tais redes sociais, pois que  o grupo de amigos virou uma multidão nos dias em que apenas um telefone celular pode garantir nossa conexão com o Mundo. E mais uma vez, percebo o valor real das tais redes sociais, elas são amplificadores e fazem muito barulho. Taí. Gostei de ver.

É, gostei de ver os que não podem a sacudir o nosso mundo, o mundo daqueles que se acham seres mais bem educados, bonitos, mais bem vestidos e, portanto, possuidores do livre direito de ir e vir neste país sem perceber que a merda fede. É, ela fede. Claro que eu, como todo ser humano, não gosto de ser incomodada, quem gosta? Porém, achar que podemos passar por esta vida a ignorar todo o mal que nela existe e todas as coisas erradas que acontecem e, ainda assim, vivermos felizes e incólumes para todo o sempre amém, é apenas uma doce ilusão. A vida, aquela de verdade, real, se encarrega de acordar-nos deste sonho de classe média europeia. Pois, não vivemos na Europa, nem nos Estados Unidos. Vivemos no Brasil, um país caro, onde quase 50% das famílias têm que viver com menos de R$ 1.500,00 por mês e quase sem direito algum.

O que me assustou, de verdade, não foi ver os tais rolés a ocorrer.  O que me assustou foi perceber as pessoas no meu país a defender que a liberdade de ir e vir de todo cidadão não tem valor, e que podemos sim ser julgados e sentenciados antes que qualquer coisa ocorra. Foi perceber que, de maneira aberta e despudorada, ou de forma discreta, muitos brasileiros estão a favor de proibir a entrada dos indesejados neste ou naquele lugar, de limitar suas liberdades, de criar guetos, de segregar.

Como sempre, creio que miramos o inimigo errado. Errado é termos um governo extremamente caro e completamente ineficiente que não cumpre seu papel fundamental: administrar bem este país para que ele seja um lugar melhor para todos os seus cidadãos.

Para mim, ainda vale a máxima: um país que não é feito para todos os seus cidadãos não será jamais um bom país para ninguém. 

A realidade desta grande nação

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