terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ana (parte 2)

Parte 2

Pela janela, através de exaustas venezianas de madeira azul claro, entrava delicada luz que tocava o braço direito de Ana. O choro cessara há algum tempo, talvez ela tivesse adormecido mais uma vez; talvez. Não se lembrava desta luz a tocar sua pele assim como não se lembrava de sua vida, de seu nome completo, de onde estava, de qual dia, mês ou ano aquele era. Assim, tão sem lembranças e apenas certa daquilo que não sabia, Ana duvidava até mesmo de sua própria existência.

“Estou mesmo viva?” pensava a menina estática que jazia na cama. “Estou mesmo viva e respiro ou apenas imagino este respirar?”

Ana lembrou-se da falta da unha em seu pé esquerdo e reabriu seus olhos. Era verdade, faltava-lhe uma unha e havia um pequeno bocado enegrecido de sangue que saíra do dedo e escorrera pelo peito do pé. O dedo lhe doía e, portanto, ela estava viva; concluiu Ana. Os não vivos não sentem dor, não sentem nada, e a dor do dedo do pé esquerdo era, naquele momento, um conforto para aquela mulher que não sabia quem era ela e nem onde estava. Havia uma certeza; quiçá a única que qualquer ser humano podia ter nesta vida: Ana sabia-se viva.

Por que havia tanto medo nela? Medo de mover-se, medo de ouvir algo, medo de ver algo para além do vestido florido e da unha ausente. As paredes do quarto eram brancas e nuas como se tivessem sido recém pintadas, e contrastavam com as cansadas venezianas de azul sem vida. Não havia quadros, não havia manchas, não havia nem ao menos um único prego ou gancho que maculasse aquele branco completo e sufocante.

“Onde estou?” pensava a atordoada mente da moça que jazia numa cama barata de metal cinza claro.

Ana abriu a boca, pois percebera os secos lábios rachados e sentiu a urgente necessidade de umedecê-los como se disso dependesse a manutenção de sua vida. A língua de Ana tocou lhe os lábios e percebeu um pequeno corte à direita assim que o sal do sangue invadiu-lhe o paladar.
“Onde estou, meu Deus?” pensou a menina que não ousava falar por medo de que alguém a ouvisse.

Voltaram as lágrimas ao rosto de Ana.




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