quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A Vazante


A Vazante


Parte 1

João já nasceu sério, menino velho, dono de um corpo pequeno e de uma alma há muito tempo nascida. E apesar de todas as danações e estripulias de garoto: ele corria, caçava passarinho, queimava formigas e amava a rua como a ama todo garoto; João era calado. Falava pouco, o necessário. Um quase nada de palavras saía de sua boca apenas por necessidade quando na carência de um-qualquer-coisa ou quando questionado.

Assim, com seus pensamentos em silêncio, foi crescendo o menino que não via muito sentido em gastar palavra à toa. A mãe o fitava a crescer e pensava. E o questionava sobre o dia, a escola, a rua, as meninas... João já ganhava pelos na cara, entretanto, da boca do rapaz escorregavam reticentes monossílabos, pequenas frases, econômicas manifestações de sua capacidade de comunicação com o mundo exterior. João era um rapaz calado.

Em alguns anos veio a primeira e única namorada. Pelo menos a única que chegou ao conhecimento da mãe e toda a família. Aos 19 anos João, como todos os de sua idade, trabalhava numa das inúmeras fábricas do bairro de casas pequenas e caiadas; ia ao cinema aos domingos para ver as fitas americanas, os vídeos de futebol, as notícias e, sábado à noite, namorava.


João era homem sério, de poucas palavras e pensamento reto. E desta feita, namorava a menina Ana para casar. E casar era coisa importante e cara. O menino crescido trabalhava mais para poder alugar uma casa, comprar coisas, pagar a igreja e, estava decidido, haveria festa. Ele tinha que pintar paredes, entregar convites e todo um etc. e tal sem fim. Não havia muito tempo para quase nada, muito menos para conversas ou pequenas declarações de amor. Então, João namorava calado para o estranhamento da namorada. Como o dinheiro, João economizava as palavras no peito para os dias de precisão. 

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