Céu de malas nas mãos
Há alguns anos atrás minha avó Luiza morreu. Eu, que naquela época vivia longe de São Paulo e do mundo de carne e osso, fiz algo de que me arrependerei eternamente. No carnaval, mais preocupada com o trabalho do que com qualquer outra coisa em minha vida, protelei a vinda para Sampa para ver minha avó que, desde o Natal, adoecera e estava hospitalizada. Eu, querendo me enganar, fingia não crer quando meu pai me dizia: “Sua avó não vai melhorar”. Ela realmente não melhorou e eu não vim despedir-me dela. Só então, quando pelo telefone minha mãe me avisou que ela morrerá havia alguns dias, me dei conta do quão horrível tinha sido meu comportamento. Minha avó passou mais de 40 dias num hospital e eu não fui me despedir. Este será um arrependimento que carregarei por toda a minha vida e tenho hoje, como tive naquele dia, a clara certeza de que minha avó morreu magoada comigo. Sentiu não ver-me a seu lado pela última vez em nossas vidas e hoje, como naquele tempo, choro quando me lembro de tamanha falta minha. Nada que eu faça poderá mudar esta sentença.
Percebi, com a morte de minha avó, que a única coisa que eu poderia mudar para nunca mais cometer este erro era mudar quem era eu. Produziu-se, então, uma gigantesca mudança que desde então guia minha vida. Hoje vivo num mundo de carne e osso e tenho como prioridade sentir e estar com quem amo. Carrego comigo esta tal urgência de dizer tudo aquilo que sinto e penso que, muitas vezes, parece-me que vou endoidecer. Sei bem que no final das contas endoideço muito mais aos outros que a mim, que sou um incômodo. Mas, ninguém é perfeito, é? Fazer o quê? Contudo, mesmo sabendo que as pessoas podem não entender esta minha falta de limites e de bom-senso, mesmo assim, gosto muito mais da mulher que sou hoje do que daquela que fui anos atrás. A mudança foi boa e veio para ficar.
Sei que a mudança nos assusta em princípio. Ela é algo que incomoda e intimida e, que nos sentimos como quem chega a uma casa nova. Não sabemos em qual gaveta encontramos os garfos e as colheres, em qual porta os copos, os pratos ou as travessas se escondem, ou em que canto obscuro da cozinha nova se meteu o neurastênico abridor. Sei que quando alguém parte, seja por vontade própria ou de Deus, fica cá dentro no peito um buraco gigante que nos parece infinito e impossível de preencher. Sei que a dúvida nos incomoda e que parecemos tão confusos que a única solução parece comprar uma passagem só de ida para China. Mas hoje sei também que assim que nos acomodamos na casa nova começamos a perceber toda a graça que ela tem, e nos sentimos muito bem. Melhores que antes.
Hoje, bem cedo pela manhã, havia um céu azul maravilhoso entre as nuvens. Céu de um azul suave e denso que era ao mesmo tempo vivo e leve, e mostrava-se alegre apesar da firme e persistente presença das nuvens deste novo outono que se achega. Aparecia ele por entre as nuvens sem querer brigar com elas, ao contrário, parecia que as deixava mansamente passar e aproveitava suas frestas para lá de cima espiar-nos de soslaio a rir-se de nossos tormentos tão mortais. Ele sabe-se azul e belo eternamente, muito antes de sermos nós gentes. Sabe que virão nuvens, chuvas e tormentas, mas que depois ele se mostrará muito mais encantador aos nossos olhos do que já foi. Basta ser paciente e tentar entender o bom que a mudança há de trazer sempre.
A Malito que, se não chegou a ser amor verdadeiro, foi desejo por muito tempo e será amigo para sempre.
Que venham a mudança e a novidade sempre.
Beijo para todos.
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